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Jundiaqui

 Na estrada para Angkor Wat – Camboja
11 de junho de 2018

Na estrada para Angkor Wat – Camboja

Por André Kondo

Em uma estrada em que há pouco mais de uma década ninguém ousaria passar, um velho ônibus se arrastava carregando turistas de várias partes do mundo. As atrocidades do Khmer Rouge ficaram no passado, mas as cicatrizes causadas pelo sangrento regime de Pol Pot ainda eram vistas ao longo daquela esburacada estrada de terra. A maior delas, a pobreza, era uma ferida que ainda não havia cicatrizado.

No fim daquela estrada estavam as espetaculares ruínas de Angkor. Quilômetros de colossais templos de pedra engolidos pela selva certamente valiam a cansativa viagem de dez horas pelo Camboja. O ônibus parou diante de uma choupana que fingia ser um restaurante. Eu fui ao banheiro, apenas um buraco no chão rodeado por muros rebocados com barro. Ao sair, fui abordado por um sorridente rapazinho que me pediu algumas moedas pelo serviço sanitário.

Cercado pela pobreza, o garoto que limpava latrinas sonhava em conhecer a riqueza das paisagens do mundo. Cuidando do precário (porém limpo) banheiro, ele ganhava algum dinheiro. Nas horas de folga, ele estudava inglês em um livro que ganhara de um forasteiro. Aproveitava também para praticar e aprender um pouco da língua com os turistas que passavam por ali.

“E o dinheiro que você ganha? É para a sua viagem?”, eu perguntei.

“Não. É para ajudar… minha família”, disse o garoto, com orgulho.

“Mas e quanto a sua viagem? É preciso juntar muito dinheiro para viajar, se você se esforçar e trabalhar bastante, um dia poderá conhecer o mundo”, eu disse, mesmo sabendo que nem se ele trabalhasse durante toda a vida ele seria capaz de juntar dinheiro suficiente daquela forma.

“Eu não preciso… de dinheiro… para conhecer… o mundo”, o garoto respondeu.

Ante meu rosto confuso, o rapazinho prosseguiu falando pausadamente, procurando as palavras: “Eu quero… conhecer o mundo… e… eu estou conhecendo… aprendendo inglês… converso com… estrangeiros… que passam aqui… eles falam sobre o mundo… já conheço Japão… Austrália… Inglaterra…”

Eu fiquei desconcertado com a resposta do garoto. Perguntei se ele já conhecia o Brasil. O garoto ficou curioso com este país tão misterioso, de que ele nunca havia ouvido falar antes. Em poucos minutos, ele viu as Cataratas do Iguaçu, se divertiu com o Carnaval e vibrou com um jogo de futebol. Conversamos pelo tempo que o ônibus ficou parado naquele lugar. Antes de partir, eu quis dar um pouco de dinheiro para ele, mas ele recusou dizendo que já havia recebido pelo seu serviço.

“Então, pelo menos aceite isso. É dinheiro do meu país”, eu disse, entregando uma nota de um Real.

Quanto custa a felicidade de um garoto?

“Muito obrigado!”, o garoto sorria, feliz com aquele pedaço de papel que vinha do outro lado do mundo, como se aquilo fosse uma passagem para um mundo distante. O garotinho tirou uma pulseira de palha entrelaçada de seu braço e a estendeu para mim.

“Sei que… não vale nada… mas é tudo que posso dar…”

Fiquei olhando para aquele pedaço de palha, imaginando o quanto aquilo era valioso, porque era um presente dado com amor.

“Muito obrigado”, eu sorria, feliz com aquele pedaço de palha que vinha dos campos do Camboja, como se aquilo fosse uma passagem para um mundo perfeito.

“Obrigado… você… porque assim… um pedacinho de mim… vai viajar… viajar… com você.”

O ônibus partiu. O garoto saiu correndo atrás, balançando o braço e gritando para que eu tivesse uma boa viagem. Enquanto isso, eu girava a pulseira de palha, que rodaria pelo mundo, como aquele garoto havia sonhado.

André Kondo é poeta e escritor

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