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Jundiaqui

 Você
27 de agosto de 2019

Você

Perder as coisas simples. É isso que endurece a alma, diz Cláudia Bergamasco nesta crônica

Cláudia Bergamasco

Acordei chorando, dormi chorando. Muitas vezes choro em vários momentos do dia. Minha alma dói, meu corpo sente e externa.

Sinto você no meu caminho. Não sei se gosto, se desgosto. Apenas me incomodo.

Fiz luzes nos cabelos, tão exausta e tão pouco mulher eu estava que precisava de um incentivo no quesito cuidados pessoais. Ninguém viu. Ficou tão lindo! Queria que você visse, queria que você sentisse a maciez que os produtos e a escova deixaram nas minha madeixas hoje compridas. Queria mostrar para você, me exibir, dançar para você. Olhar nos seus olhos amendoados e doces, sorriso honesto e sempre contido.

Você não sabe, mas é meu amigo, minha testemunha, minha afeição lá de longe. Gosto de sentir seu olhar quando meus olhos estão longe dos seus. Eu percebo que você me esquadrinha. Gosto quando nossos olhos se encontram por acaso. Há um brilho comum que arrepia minha pele. A sua? Não sei. Não me importo neste momento da vida.

Não sei ler você ainda. Só sei que você é um homem bom, daqueles que toda mulher gostaria de ter ao lado. Não telefono, não envio e-mail nem WhatsApp. Será que vou atrapalhar? Será que serei bem recebida? Melhor não correr esse risco. Além do mais, minha exaustão física, mental e emocional emperra qualquer possibilidade de investida. E tem o passado. Esse é um grosso e altíssimo muro que impede qualquer possibilidade de aproximação. Dá um medo que só vendo. Eu quero, mas a dicotomia entre o querer e o afastar faz tudo rolar ralo abaixo.

Perder as coisas simples. É isso que endurece a alma. O tempo da transição se alarga e o tempo de vida se encolhe. Triste, mas verdadeiro.

Fico no meu canto. Trabalho e choro. Trabalho chorando. Paro de trabalhar e choro copiosamente sentada no degrauzinho de madeira do jardim. Agonia.

Suspiro e aceito minha condição de mulher “alone again, and again, and again, and again como uma projeção geométrica. Acostumei. Não sei mais o que é dois. O um é hoje mais confortável. Mas, você quer mesmo permanecer na condição de um, de alone again? Pergunta que não cala e nunca consigo uma resposta firme.

Sou do tipo faz tudo. Pinto, bordo, lavo, passo, sei planejar uma casa para se ter mais conforto e comodidade, sou criativa, rezo, leio, limpo, luto, até desentupo canos e manípulo máquinas como aparafusadoras, furadeiras, lixadeiras e serras. Mas desaprendi a olhar nos olhos de um homem que me chama atenção. Não lembro mais como é receber uma flor, um presente, um abraço sincero, um beijo carinhoso, o que quer que seja de bom. Diante do passado desastroso, deixar essas coisas acontecerem seria como abrir uma caixa de Pandora. Não, não, melhor ficar na minha zona de conforto sempre alone, alone, alone. Mas, será mesmo isso que você deseja para sua vida, menina?

Eu queria, no fundo, ser mulher de novo, deixar novamente a felicidade aflorar de dentro de mim. Vestir aquele vestido bonito, calçar aquele par de saltos que me deixa elegante, pintar a boca de vermelho, colar cílios postiços para realçar e aumentar meus pequenos olhos claros, botar uns balangandãs de ouro e pedras preciosas, passar água de cheiro, mostrar as luzes que deixaram meus cabelos claros ainda mais claros e brilhantes sob a luz da lua e sob a luz de velas para o caso de um jantar. Dançar umas músicas que façam sentido para nós dois, de rosto colado ou não (ou as duas coisas), dar risadinhas, redescobrir prazeres simples, fugazes e tão necessários. Aquelas coisas pequeninas que fazem a vida valer a pena. Quando percebemos que tudo é rápido demais nunca deveríamos desistir das coisas que amamos.

Queria brincar de roda com um vestido rodado e esvoaçante com você me segurando pelas mãos e pela cintura. Depois, quando as velas do nosso jantar estivessem no finalzinho, que você me conduzisse para um mundo de ainda mais prazeres, esses risonhos, leves, belos, carinhosos e absolutamente apaixonantes.

Era isso o que eu queria.

Quero.

Ainda que seja um desejo fugaz, por um tempo fugaz – como a vida é fugaz.

Por favor, não desista de mim. Paciência é palavra-chave.

Vai ser difícil, eu fiquei muito difícil, mas se você apostar em nós, podemos nos proporcionar momentos magníficos. Não pense muito, apenas se entregue com todo o seu ser. Só assim valerá a pena.

O que você me diz?

Cláudia Bergamasco é escritora

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