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Jundiaqui

 Peça censurada em Jundiaí tem versões em inglês e espanhol
16 de setembro de 2017

Peça censurada em Jundiaí tem versões em inglês e espanhol

Monólogo que mostra Jesus transgênero já foi apresentado mais de cinquenta vezes 

Edu Cerioni

Desde agosto do ano passado, “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, mistura de monólogo e contação representada em um ritual que traz Jesus ao tempo presente e na pele de uma mulher transgênero, roda por diferentes teatros, com mais de 50 exibições. Por isso, a censura em Jundiaí provoca surpresa em todo o país. Para o juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, a decisão foi tomada para “impedir um ato desrespeitoso e de extremo mau gosto, que certamente maculará o sentimento do cidadão comum”.

A proibição pela Justiça da encenação no Sesc Jundiaí na noite desta sexta-feira (15) foi mostrada por “Estadão”, “Folha de S. Paulo”, “Revista Bravo” e outros. Logo chega ao noticiário internacional, afinal tem versões em inglês e espanhol lá fora, onde é apresentada livremente.

O texto é de 2014, quando ocorreu a primeira montagem. E a curiosidade: encenada em uma capela de St. Mark’s, em Edimburgo, na Escócia – “The Gospel According to Jesus Queen of Heaven”. Em outras partes do mundo é vista como “El Evangelio Según Jesús, Reina del Cielo”.

A versão brasileira estreou no FILO – Festival Internacional de Londrina de 2016. Depois, entre 6 outubro e 5 de novembro do ano passado, ficou em cartaz no Sesc Pinheiros. Com apoio da Prefeitura de São Paulo, circulou por toda a Capital: da República ao Carandiru, de Santa Cecília a São Miguel, de Ermelindo Matarazzo à Cidade Tiradentes. Em palcos no Instituto Cultural Tomie Ohtake e Itáu Cultural, entre outros.

 Além de São Paulo, “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” passou por cidades do Interior, como Araçatuba; foi a Santos no Litoral e circulou pelo Distrito Federal, em Brasília, Taguatinga, Gama e Ceilândia.

O que é a peça

Histórias bíblicas como “O Bom Samaritano”, “A semente de mostarda” e “A Mulher Adúltera” são recontadas pela professora Renata Carvalho na pele de Jesus e propõem uma reflexão sobre a opressão e a intolerância sofridas por transgêneros e minorias em geral. “A peça provoca reflexão ao mesmo tempo em que emite uma mensagem de amor, perdão e aceitação”, disse a diretora Natalia Mallo, que traduziu o texto do original inglês, em entrevista para o site do Sesc.

Sobre a proibição aqui, ela publicou no facebook: “Desde a nossa estreia, há um ano, passamos por diversas situações de violência: ameaças de censura, ameaça física, insultos e difamação na internet etc. Mas esta é a primeira vez que o espetáculo é impedido de acontecer. O conteúdo da liminar concedida pelo juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, da 1º Vara Cível de Jundiaí, que resultou no cancelamento, é um tratado de fundamentalismo e preconceito” (veja a íntegra no final desta reportagem).​Decisão judicial

Se pesar e indignação definem um lado dessa censura em Jundiaí, de outro a decisão do juiz Luiz Antonio de Campos Júnior em caráter de urgência ao pedido impetrado pela advogada Virginia Bossonaro Rampin Paiva é vista como uma defesa “à dignidade da fé cristã, na qual Jesus Cristo não é uma imagem e muito menos um objeto de adoração apenas, mas sim o filho de Deus” – como escreve o juiz em sua sentença.

Campos Junior apontou ainda que se o Sesc resolvesse apresentar a peça na sexta-feira (15) ou o faça em qualquer outra data, será multado em R$ 1 mil ao dia.

Para ele, não se trata de impedimento da liberdade de expressão, mas de respeito a uma figura venerada no mundo inteiro (veja a íntegra da decisão mais abaixo).

O Sesc Jundiaí soltou um comunicado oficial informando que já recorreu da decisão.

Neste sábado (16) o monólogo está marcado para o Sesc Rio Preto e no domingo (17), no de Santo André.

Por que a polêmica só agora?

Uma pergunta que muitos fazem – e ainda se busca uma resposta – é por que só este ano a Semana da Diversidade Sexual gerou tantos problemas em Jundiaí?

Nos três anos anteriores, a iniciativa da ONG Aliados foi realizada sem polêmicas.

Nesta quarta edição, os problemas começaram quando um site que se diz cristão publicou reportagem dizendo que haveria “peça gay para crianças em Jundiaí”, em referência ao espetáculo “A Princesa e a Costureira” – pelo menos por enquanto agendada para a noite desta segunda (18) no Complexo Fepasa.

Foi o bastante para começar uma confusão, que gerou nota de esclarecimento da Prefeitura Municipal – que tem uma Assessoria de Políticas para Diversidade Sexual – , conforme o JundiAqui revelou (veja) e que só aumentou com o depoimento do prefeito Luiz Fernando Machado em vídeo e postagem que fez no Facebook falando que defende “como pai, esposo e prefeito a família tradicional”.

Ativistas LGBT, então, resolveram marcar um “Beijaço no Paço“, que acabou esvaziado nesta sexta (15), quando o show Baile das Gayrotas foi cancelado no Sexta no Centro, por temor das próprias drag queens, após ameaças anônimas que receberam – leia mais. A Prefeitura não se manifestou ainda sobre a mudança no programa do Sexta no Centro que é de sua responsabilidade.

A Semana da Diversidade Sexual tem programação de segunda-feira (18) ao domingo (24), quando deve ocorrer a Parada Gay 2017, agora não mais na avenida 9 de Julho, vetada pela Prefeitura depois de 11 anos, mas sim nas ruas do Centro, como o JundiAqui antecipou (confira).

ONG Aliados

A advogada Rose Gouvea, que comanda a ONG Aliados, escreve no Facebook sobre uma “triste série protagonizada pela população LGBT de Jundiaí, que está sofrendo grave represália de fundamentalistas religiosos hidrofóbicos”.

Ela relata que, há três dias, “um integrante do Bloco do Loki foi covardemente agredido por ser gay – sim, existe relação com a promoção do ódio iniciada esta semana, inclusive por vereadores da cidade”. Sobre a censura, acredita que o “juiz que concedeu a liminar, proferiu uma decisão que faria o próprio Jesus perder a fé na Humanidade”. Ela assegura: “Os órgãos de Direitos Humanos conhecerão a face canalha de Jundiaí e tomarão conhecimento também do descaso dos poderes Executivo, Legislativo e agora também do Judiciário, relativamente aos ataques que a nossa população vem sofrendo, sistematicamente”.

Intolerância

Natalia Mallo, que traduziu e dirige “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, escreveu:

“Desde a nossa estréia, há um ano, passamos por diversas situações de violência: ameaças de censura, ameaça física, insultos e difamação na internet, etc. Mas esta é a primeira vez que o espetáculo é impedido de acontecer.

O conteúdo da liminar concedida pelo juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, da 1º Vara Cível de Jundiaí, que resultou no cancelamento, é um tratado de fundamentalismo e preconceito​.​

Todas as situações de violência que passamos tiveram algo em comum: contestam a presença de uma travesti em cena interpretando Jesus.

Afirmar que a travestilidade da atriz representa em si uma afronta à fé cristã ou concluir, antes de assistir o trabalho, que é um insulto à imagem de Jesus é, do nosso ponto de vista, negar a diversidade da experiência humana, criando categorias onde algumas experiências são válidas e outras não, algumas vidas têm valor e outras não. São os discursos e práticas que tornam o Brasil um país extremamente desigual, e um território inóspito para quem vive fora da normatividade branca, cisgênera e heterossexual.

Desde sua estreia no Brasil a peça tem tido uma resposta do público muito positiva, lotando teatros e criando espaços de diálogo, resistência e encontro. Temos passado por diversos espaços culturais e festivais (Filo, Porto Alegre em Cena, Cena Contemporânea). Instituições importantes da cultura como SESC, Itaú Cultural, Instituto Tomie Ohtake e outras também abraçaram o trabalho demonstrando disponibilidade em dar visibilidade aos temas que ele aborda.

Mas mais importante do que tudo isso, é o fato da peça ter se tornado dispositivo de debate sobre temas sociais urgentes, graças à sua capacidade de questionar mecanismos de opressão estruturais e institucionalizados.

Desde o início temos promovido instâncias de diálogo, educação e debate e buscado levar o trabalho não só a festivais e teatros centrais mas a locais descentralizados, carentes de programação cultural e que abrigam comunidades vulneráveis. Estivemos em prisões, abrigos, centros de acolhida, sedes de coletivos e ativismo, e estivemos na rua.

Conhecemos de perto a realidade de travestis e transexuais, e de outros grupos minorizados, e justamente por isso, fazemos constantemente um chamado à reflexão sobre a desigualdade gritante e naturalizada em que vivemos.

O Brasil é o país mais transfóbico do mundo. Diariamente travestis são espancadas e assassinadas sem que a mídia, a opinião pública ou o sistema de justiça reconheçam a gravidade e o inaceitável do fato. Estas pessoas vivem e morrem na invisibilidade.

Convido você, que está lendo isto, a escrever no google “travesti assassinada em ……….” (preencher com qualquer cidade do Brasil). O resultado vai ser sempre devastador, brutal e alarmante.

Houve uma grande mobilização e articulação para que o espetáculo pudesse ser cancelado, uma verdadeira estratégia reunindo diversos interesses e interessados e incluindo planejamento, timing e construção de narrativas. Censurar um espetáculo, em nome dos bons costumes, da fé e da família brasileira parece ser, para alguns fariseus, mais importante e prioritário do que olhar para a sociedade e tentar fazer alguma contribuição concreta para mudar o quadro de violência em que estamos todas e todos soterrados.

O espetáculo, escrito por Jo Clifford, busca resgatar a essência do que seria a mensagem de Jesus: afirmação da vida, tolerância, perdão, amor ao próximo. Para tanto, Jesus encarna em uma travesti, na identidade mais estigmatizada e marginalizada da nossa sociedade. A mensagem é de amor. Mas é também provocadora. Não é comportada nem se deixa assimilar. É de carne e fala de um corpo político, alterado, constantemente violentado e oprimido. Mas também cheio de vida, alegria e potência. A Rainha Jesus contesta a tutela sobre os corpos, o patriarcado e o capitalismo. E abençoa a todos e todas por igual”.

Medida Liminar

Juiz Luiz Antonio de Campos Junior, da primeira Vara Cível:

“À vista da declaração reproduzida a fls. 15, concedo à parte autora os benefícios da Gratuidade Processual, sem prejuízo das sanções cabíveis na hipótese de prova em contrário. Anote-se, tarjando-se adequadamente os autos digitais.

Feito esse introito, trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de antecipação de tutela ajuizada por VIRGÍNIA BOSSONARO RAMPIN PAIVA contra SESC JUNDIAÍ. perseguindo, em nível de tutela de urgência, a suspensão da peça teatral “O EVANGELHO SEGUNDO JESUS, RAINHA DO CÉU”, ao argumento de que referida exibição vai de encontro à dignidade cristã, posto apresentar JESUS CRISTO como um transgênero, expondo ao ridículo os símbolos como a cruz e a religiosidade que ela representa.

Pede, em nível de tutela de urgência, a proibição da respectiva apresentação.

Relatados. FUNDAMENTO E DECIDO. Sabidamente, a providência inaudita altera parte somente tem lugar quando a ciência da parte adversária puder colocar em risco a própria eficácia da medida, ou, em um segundo plano, quando a urgência é de tal forma premente que o interregno entre a ciência e a decisão judicial provocaria o perecimento do direito a ser tutelado. É exatamente essa a hipótese dos autos.

O ordenamento jurídico autoriza a concessão de tutela de urgência quando houver, de forma concorrente, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, na forma preconizada pelo artigo 300 do Código de Processo Civil. Sobre a probabilidade do direito, convém transcrever lição trazida na obra de LUIZ GUILHERME MARINONI, SÉRGIO CRUZ ARENHART E DANIEL MITIDIERO, Curso de Processo Civil, RT, Volume 2, 2015, p. 202 e 203: “Quer se fundamente na urgência ou na evidência, a técnica antecipatória sempre trabalha nos domínios da “probabilidade do direito” (art. 300) – e, nesse sentido, está comprometida com a prevalência do direito provável ao longo do processo.

Qualquer que seja o seu fundamento, a técnica antecipatória tem como pressuposto a probabilidade do direito, isto é, de uma convicção judicial formada a partir de uma cognição sumária das alegações das partes. No Código de 1973 a antecipação de tutela estava condicionada à existência de “prova inequívoca” capaz de convencer o juiz a respeito da “verossimilhança da alegação”.

A doutrina debateu muito a respeito do significado dessas expressões. O legislador resolveu, contudo, abandoná-las, dando preferência ao conceito de probabilidade do direito. Ao elegê-lo, o legislador adscreveu ao conceito de probabilidade uma “função pragmática”; autorizar o juiz a conceder “tutelas provisórias” com base em cognição sumária, isto é, ouvindo apenas uma das partes ou então fundada em quadros probatórios incompletos (vale dizer, sem que tenham sido colhidas todas as provas disponíveis para o esclarecimento das alegações de fato).

A probabilidade do direito que autoriza o emprego da técnica antecipatória para tutela dos direitos é a probabilidade lógica que é aquela que surge da confrontação das alegações das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder “tutela provisória”. Para bem valorar a probabilidade do direito, deve o juiz considerar, ainda: (I) o valor do bem jurídico ameaçado ou violado; (II) a dificuldade de o autor provar a sua alegação; (III) a credibilidade da alegação, de acordo com as regras de experiência (art. 375); e (IV) a própria urgência alegada pelo autor.

Nesse caso, além da probabilidade das alegações propriamente dita, deve o juiz analisar o contexto em que inserido o pedido de tutela provisória”. Quanto ao perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, estes se caracterizam pela possibilidade de a demora na prestação jurisdicional poder comprometer a realização imediata ou futura do direito. Há, ainda, o pressuposto negativo para a concessão da tutela, caracterizado pelo perigo de irreversibilidade, ou seja, pela inviabilidade de retorno ao status quo ante a decisão ou risco de não sê-lo em toda inteireza, ou ainda sê-lo somente a elevadíssimo custo, que a parte por ele beneficiada não teria condições de suportar.

Desse cenário extrai-se, portanto, que a tutela de urgência almejada comporta deferimento, uma vez que, muito embora o Brasil seja um Estado Laico, não é menos verdadeiro o fato de se obstar que figuras religiosas e até mesmo sagradas sejam expostas ao ridículo, além de ser uma peça de indiscutível mau gosto e desrespeitosa ao extremo, inclusive.

De fato, não se olvide da crença religiosa em nosso Estado, que tem JESUS CRISTO como o filho de DEUS, e em se permitindo uma peça em que este HOMEM SAGRADO seja encenado como um travesti, a toda evidência, caracteriza-se ofensa a um sem número de pessoas. Não se trata aqui de imposição a uma crença e nem tampouco a uma religiosidade.

Cuida-se na verdade de impedir um ato desrespeitoso e de extremo mau gosto, que certamente maculará o sentimento do cidadão comum, avesso à esse estado de coisa. Lado outro, irrelevante para o Juízo o fato de esta peça teatral ser gratuita ou onerosa. A consequência jurídica é idêntica em ambas as situações. Vale dizer, não se pode produzir uma peça teatral de um nível tão agressivo, ainda que a entrada seja franqueada ao público.

Não se olvida a liberdade de expressão, em referência no caso específico, a arte, mas o que não pode ser tolerado é o desrespeito a uma crença, a uma religião, enfim, a uma figura venerada no mundo inteiro.

Nessa esteira, levando-se em conta que a liberdade de expressão não se confunde com agressão e falta de respeito e, malgrado a inexistência da censura prévia, não se pode admitir a exibição de uma peça com um baixíssimo nível intelectual que chega até mesmo a invadir a existência do senso comum, que deve sempre permear por toda a sociedade.

Do exposto, considerando-se que as circunstâncias jurídicas alegadas em a inicial corroboram o fato de ser a peça em epigrafe atentatória à dignidade da fé cristã, na qual JESUS CRISTO não é uma imagem e muito menos um objeto de adoração apenas, mas sim O FILHO DE DEUS, ACOLHO as razões explanadas pela parte autora e assim o faço com o fito de proibir a ré de apresentar a peça “O EVANGELHO SEGUNDO JESUS, RAINHA DO CÉU”, prevista para o dia de hoje (15 de setembro de 2017), e também em nenhuma outra data, sob pena do pagamento da multa diária que fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), sem prejuízo da tipificação do crime de desobediência, que acarretará ao (a) responsável a consequência de se ver processado criminalmente.

Expeça-se o necessário, com a urgência que o caso requer. Cite-se o réu para contestar o feito no prazo de 15 (quinze) dias úteis. A ausência de contestação implicará revelia e presunção de veracidade da matéria fática apresentada na petição inicial. Intimem-se.

Jundiaí, 15 de setembro de 2017”.

 

 

 

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