A Cica e os Figos Ramy – Doces lembranças
Por Vivaldo José Breternitz
Muitos brasileiros ficaram inconformados quando a CICA, a nossa Companhia Industrial de Conservas Alimentícias, interrompeu a produção dos Figos Ramy em 1986.
O doce tinha virado paixão nacional.
Na sua elaboração, a fruta transformava-se em passas carnudas, embebidas numa calda tão grossa que parecia mel; a figueira é a primeira árvore frutífera citada na Bíblia, quando Adão e Eva perceberam estar nus e cobriram-se com as suas folhas.
O fato de as pessoas apreciarem os Figos Ramy, porém, não se devia a nenhuma motivação religiosa, apesar de doce ter um sabor divino…
Ele vinha em latas redondas, pesando 600 gramas. Na lata, a CICA acondicionava as frutas lado a lado, apertadas e úmidas. Eram escuras, porém brilhantes e tenras.
A produção se restringia aos meses de janeiro, fevereiro e março, que correspondem à safra do figo. Chegaram a ser produzidas 300 mil latas por ano.
Eram comidas puras, usando garfo e colher (para não desperdiçar a calda), ou com a mão, segurando os figos pelo cabinho. Harmonizavam-nas com creme de leite, requeijão cremoso, suspiro ou sorvete de creme.
Conforme disse o renomado jornalista J. A. Dias Lopes, na década de 1960 o pintor Di Cavalcanti, quando vinha a São Paulo e se hospedava no antigo hotel Ca’d’Oro da rua Basílio da Gama, servia os figos com fatias de laranja aos amigos e interessados nos seus quadros. “As laranjas quebram a doçura dos Figos Ramy e assim se consegue comer mais”, explicava.
Eu, pessoalmente, gostava de acompanhar os figos com vinho do Porto.
Os Figos Ramy começaram a ser produzidos em 1945 e deixaram o mercado um ano antes de a empresa ser vendida ao grupo Ferruzzi. “Era muito caro produzi-los”, explicou Salvador Messina Neto, o Turillo, último vice-presidente da antiga CICA. “Havia bastante descarte”.
Ele conta que os figos, do tipo roxo, procediam inicialmente de Jundiaí e depois também de Valinhos. Deviam estar maduros, porém firmes, ou seja, inchados. Muito delicados, machucavam-se facilmente, complicando o transporte e a preservação. “O custo era alto, o preço de uma lata ficava elevado e não valeu a pena continuar”, concluiu Messina.
A CICA registrou o nome comercial do doce com “y”. Ele foi inspirado no bairro de Vila Rami, onde existia uma fazenda onde o rami, uma fibra têxtil. havia sido cultivada. Na fazenda havia uma cerâmica, que depois se transformou na Cidamar, hoje Roca, e ali haviam muitas figueiras – ela pertencia à família Cardia.
Um dos seus empregados da fazenda, Carlo, colhia os figos, secava-os no forno da cerâmica, embalava-os em papel celofane e os vendia na cidade.
Um dos fundadores da CICA, o siciliano Comendador Antonino Messina, pai de Salvador Messina, encantou-se com o doce e decidiu industrializá-lo.
Mas, para produzi-lo em maior quantidade, precisou superar dificuldades técnicas. Para isso, contratou Carlo e um confeiteiro italiano chamado Magnani. O trio desenvolveu um método no qual as frutas cozinhavam até alcançar 50 brix (escala numérica para medir a quantidade de açúcar) e terminavam na estufa – é um processo muito longo, complexo e caro, como disse Messina.
No fim de sua trajetória, o Figo Ramy acabou sendo exportado para diversos países, inclusive para Dinamarca e Suécia.
Atualmente, encontramos nos supermercados vários produtos com o mesmo nome, mas nenhum é tão bom quanto o original – como se dizia, “quem experimentou, experimentou. Quem não experimentou não experimentará mais”…
A fábrica da CICA e suas imediações, nos anos 1960
7 thoughts on “A Cica e os Figos Ramy – Doces lembranças”
Uma delícia que não existe mais igual.
Inesqueciveis…que saudade…acompangavamos com queijos
Comiamos com queijo catupiry de caixa
Uma das nelhores lembranças de minha infância. Papai vendia em seu armazém e de vez em quando me dava uma lata, só pra mim! Era melhor que ganhar caixa de bombom! Chego a salivar, só em lembrar.
Realmente maravilhoso!!!!!
É uma pena não existir mais…
É inigualável em sabor, cor e textura! Deixou saudades….
Por favor volta! Principalmente os outros tipos de doces em latas, como narnejada, figada, goiabada. E a geleia de laranja simplesmente maravilhosa.