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Jundiaqui

 A revolução ecológica de Jundiaí em 1978
29 de março de 2019

A revolução ecológica de Jundiaí em 1978

Por José Arnaldo de Oliveira

Algum ano pode simbolizar uma força coletiva? Bem, isso acontece em todo o mundo com 1968. Mas, na cidade de Jundiaí, um desses casos pode ser o ano de 1978, que há pouco tempo passou pelo seu 40º aniversário. E não seria exagero dizer que representa uma revolução ecológica de uma geração.

Foi o ano do 1º Passeio Ecológico na Serra do Japi, em julho – marco do movimento que levou ao tombamento, cinco anos depois.

Desse passeio muitos ouviram falar nas últimas décadas, afinal contou com quase 3 mil jovens. Eles se reuniram para subir da praça da Bandeira até o pico do Mirante, convocados por panfletos onde a ameaça à natureza era mostrada pelo Curuquiã, o mito de índios gigantes da serra. E teve até um show improvisado da banda A Kripta lá no alto, usando um gerador emprestado pelos bombeiros.

O ato liderado pelo Grupo Viver ocorreu em uma manhã de inverno, 30 de julho.

Naquele mesmo 1978 aconteceu a 1ª Semana Ecológica de Jundiaí, em setembro – mês em que por causa da primavera eram concentradas as ações ligadas ao ambiente. No dia 18 abriu uma exposição de fotos e cartuns no Centro Cultural – ali onde hoje existem os cartórios na rua dos Bandeirantes. No local houve depois palestras sobre poluição de água e ar, sobre ecologia e segui-se com exibição de curtas na Biblioteca, então na rua Rangel, distribuição de mudas e exposições no Largo da Matriz. Teve palestra sobre desenvolvimento e meio ambiente na Câmara, que também sediou a mesa redonda da ecologia na região. E o encerramento, feito no dia 24 no Largo da Matriz, foi com a música do Quadrante Experimental Vento Sul. A iniciativa, com o lema “Preservar é Sobreviver”, era promovida pela chamada Associação Jundiaiense de Defesa do Ambiente.

Em 1978, a cidade tinha como prefeito o professor Pedro Fávaro – que, salvo engano, parece ter sido responsável por reservar como bens públicos as ruínas do Solar do Barão e do Teatro Polytheama e pela construção do Centro das Artes no antigo mercado onde havia começado a Festa da Uva em 1934 e que tornou-se referência para movimentos ecológicos e culturais.
Pouco se fala, entretanto, da pioneira transformação de um antigo aterro de lixo no Parque Municipal do Corrupira. Ou dos ofícios que enviou ao governo estadual, junto com Ary Fossen, pedindo medidas mais fortes de proteção para a Serra do Japi estimulados pelo movimento ecológico marcado anos antes por 1978.

Nesse processo surgiram atores diversos como o próprio Grupo Viver, o Grupo Ecológico Japy, o embrião da SAB Santa Clara e do Museu Particular Francisco de Matheo e muitos outros. Até os Chorões do Japy, lendário grupo musical, sempre despertou debate de ideias ligadas ao tema, com figuras como o agrônomo Araújo Vieira ou a poetisa Sônia Cintra.

A esquerda, voltada para as lutas contra a ditadura militar, em parte desprezava o assunto. Na direita, voltada para o poder econômico, também se via o tema como coisa de boêmios ou poetas. Mas entrou na agenda política. Nos bastidores, nomes como o jornalista Jayme Martins, que voltava da China articulando na frente de prefeitos como Benassi e governador do MDB a serem eleitos em 1982 o projeto de despoluição do rio Jundiaí.

Em paralelo, alguns dos maiores cientistas brasileiros como Aziz Ab’Saber ou Hermógenes Freitas Leitão acompanhavam os movimentos em Jundiaí e agiram em seu meio, tanto que Franco Montoro colocou Aziz, recentemente destacado na revista “Xapuri”, no posto de onde comandou o tombamento da serra pelo Condephaat, em 1983, a contragosto de alguns grandes especuladores locais.

O assunto continuou tão forte que ainda em 1984 era aprovada a lei que transformou o município inteiro em uma área de proteção ambiental (APA Jundiaí). As resistências, entretanto, fizeram a regulamentação ser enfraquecida e demorar quase dez anos. Mas o princípio de uma cidade com um cinturão verde continua sendo inspirador.

Já simplifiquei certa vez que essa cidade é fruto de um contínuo embate entre conservacionistas e empreendedores – boa parte deles e delas muito sérios, com exceções abusadas em alguns casos. E a balança vai oscilando ao longo do tempo.

Quando se fala da Serra do Japi, do rio Jundiaí, da Terra da Uva ou do Centro Histórico não se deveria esquecer do trabalho profissional ou voluntário que elevou Jundiaí (ou Jundiahy) ao longo do tempo. Em especial, neste assunto de hoje, a gerações como a que viveu 1978.

Como garoto, sentia algo especial no ar. Depois descobri que apenas seis anos antes, na primeira conferência mundial sobre o ambiente em Estocolmo 72, nosso país havia dito que aceitaria as indústrias poluidoras que outros não quisessem. O que se veria em Jundiaí, portanto, era um sinal muito forte de civilidade mesmo com disputas políticas em torno do assunto.

Eram tempos onde a visita dos “anõezinhos da serra” a venderem frutos nas casas ou os debates sobre avistamentos de extraterrestres eram parte do cotidiano. Tanto como caminhadas pelas estradinhas como passeio. Depois a serra, por um lado, virou cartão de visitas para empreendimentos. Mas, por outro, gerou informações inacreditáveis sobre animais e plantas desconhecidos – como o bicho-casca – vivendo ali.

Por tudo isso, e o relato é apenas uma amostra do que fiquei sabendo, saúdo todos os que, ainda entre nós ou em pura saudade, fizeram a revolução ecológica de diversos pontos de vista em 1978.

Mesmo sem tantas celebrações agora, colocaram Jundiaí nessa história mundial há quarenta anos – e que continuaram depois e continuam com novos capítulos e novos atores, pois a natureza não pode se defender sozinha. Mas basta uma nuvem de borboletas ao seu redor (quem já passou por isso sabe do que estou falando) para tudo ter valido a pena. Ah, e não é coisa de governo ou oposição. É apenas amor.

José Arnaldo de Oliveira é jornalista e sociólogo

 

 

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