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 Tarantásio ataca outra vez (stravaganza in tempo di peste)
31 de março de 2020

Tarantásio ataca outra vez (stravaganza in tempo di peste)

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Ele andava meio esquecido, então é provável que você nunca tenha ouvido falar no Tarantásio. Em compensação, é quase certeza que você já tenha visto um retratinho dele. Onde? No emblema da fábrica de automóveis Alfa Romeo. Pois é, o nome daquele dragão da Alfa Romeo é Tarantásio. E esse dragão morava, em tempos muito antigos, no Lago Gerundo.

Não adianta você procurar o Lago Gerundo no mapa, porque ele não existe mais. Mas existiu. De verdade. Se em vez de procurar no mapa você procurar no Google, vai descobrir que o Lago Gerundo era um vasto espelho de água, mais para pântano do que para lago propriamente dito, localizado na área entre Milão, Bérgamo e Cremona. Desapareceu porque foi drenado, aparentemente no século XIII.

A tradição oral, transmitida de geração em geração pelos habitantes daquela área, diz que o Lago Gerundo era habitado pelo dragão Tarantásio, uma temível criatura em forma de serpente, com duas pequenas asas, que se alimentava devorando crianças e que tinha um bafo pestilencial.

Em algum momento ele criou pernas, porque tem a forma de lagarto em um retrato esculpido nos adornos da fachada da Catedral de Milão. É difícil datar esse retrato, porque a construção daquela catedral foi demorada.

Começou em 1386, quando o mandachuva da cidade era o Duque Gian Galeazzo Visconti, e foi dada por concluída em 1813. Então, só um arquiteto que conheça bem o edifício poderia dizer de quando é esse retrato lagartiforme da antiga serpente alada.

Dizem também que o rei lombardo Agilulf, falecido em Milão em 616, pediu a São Columbano, falecido em Bobbio em 615, que livrasse o povo daquele flagelo que era Tarantásio. O monge irlandês feriu o dragão, mas não conseguiu matá-lo. Tarantásio passou uns tempos desaparecido, mas depois voltou à ativa. Supostamente o dragão teria sido morto, muito tempo depois, por Uberto Visconti, falecido antes de 1248, que com esse ato de bravura tornou-se o mandachuva de Milão e fundador de uma duradoura dinastia que, nos tempos atuais, nos deu o cineasta Lucchino Visconti e um saboroso panetone do mesmo nome. Não por acaso, o emblema heráldico dos Visconti, aproveitado pela Alfa Romeo, é uma grande serpente devorando um menino, ou seja, Tarantásio. Mas o dragão teve uma vingança póstuma, porque o miasma exalado pela decomposição do seu cadáver provocou uma peste que devastou a região.

Aqueles desmancha-prazeres que gostam de procurar uma explicação científica para as tradições do folclore popular dizem que o fedor atribuído ao bafo de Tarantásio quando vivo, e à sua decomposição depois de morto, provinha na realidade das grandes jazidas de gás natural existentes na área antigamente ocupada pelo Lago Gerundo.

Mas isso é papo furado. Não confiem em conversa de cientista, eles são presunçosos. O epicentro da epidemia de corona vírus que neste ano de 2020 está matando gente aos milhares no norte da Itália coincide com a região assolada no século XIII pela peste causada pelo bafo de Tarantásio. Uberto Visconti, aquele incompetente, não matou direito o dragão, que voltou agora a disseminar pestilência na Lombardia.

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é escritor

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