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Jundiaqui

12 de julho de 2018

Vulcões ativos 

Que jogue a primeira pedra quem afirma não ter “buracos na alma” provocados por esse ou aquele acontecimento, indaga Cláudia Bergamasco

Cláudia Bergamasco

Existem coisas pelas quais passamos na vida que por alguma razão que a própria razão desconhece não esquecemos jamais. Eu tenho três passagens, pelo menos. Tentei e ainda tento esquecer, mas elas são muito mais fortes do que eu, tanto que já ganharam apelidos: Etnas, iguais ao vulcão em terras sicilianas, na Itália. Assim como o Etna, os meus ainda estão ativos. São os buracos na minha alma. Por um tempo ficam lá no coração, quietinhos, em silêncio. Mas, vez por outra, gritam e explodem sem que eu possa controlar. Também os chamo de “minhas feridas na alma”.

Há décadas tento fazê-las desaparecer ou apaziguá-las, mas depois de tanto tempo me rendi. Creio que só me resta colocar gaze, fazer curativos e levá-las comigo pelo resto dos meus dias. Exagero? Sim, para quem não sente. Não, para quem considera esses tais Etnas como parte do seu corpo, tamanho o estrago que fizeram comigo.

Um deles estava de certo modo controlado. Mas aumentou de tamanho no fim de 2017 para cá. Mandingas e quetais não foram suficientes para dizimar seus magmas, gazes, pressões e crateras. Revelações, surpresas bastante desagradáveis, desentendimentos e burrices de ambas as partes (da minha e da dele) só fizeram a ferida entrar em putrefação quase maligna. Medicamentos, tratamentos, terapias, orações e meditações na medida do possível, junto a muitos curativos diários feitos com carinho e cuidados por mim mesma aquietam temporariamente a brutalidade das erupções.

Outros dois Etnas altamente ativos irrompem aqui e acolá, como disse antes. Mas, esses, nem com reza brava para torná-los inativos. Já considero favas contadas que eles nunca desaparecerão por todos os dias que me restam de vida. A única coisa a fazer é ir trocando os curativos dia a dia. Mesmo que eu ame desmesuradamente novamente – o que acho improvável, porque já tive provas de que esse tipo de coisa só acontece uma vez na vida -, os meus Etnas continuarão ativos e haverá momentos de calmaria e outros de lavas e cinzas destruindo mais um pedacinho de quem sou como mulher, como ser humano.

Muita gente vai dizer, ao ler este texto, que estou sendo extremamente dramática ou que preciso de holofotes para me manter “saudável”. Errado, engano, mentira. Eu já vivi o suficiente para conhecer quem sou, como sou, como ajo e reajo, como meu corpo e minha mente agem e reagem a rejeições, solidão, traições, orgulhos, preconceitos, desconfianças, invejas e etc. Então, não me venha com essa de que o tempo tudo cura que não é bem assim que acontece. Ok, o tempo, um rei, propicia alívio para alguns males, especialmente aqueles vindos do coração. Mas não é milagreiro nesse quesito.

O que posso dizer com orgulho é que tentei, dei meu máximo, fiz o que pude. Se dois dos meus Etnas ainda existem é porque não tive opções. Ou até tive, mas eu teria que enfrentar os leões de frente e sozinha. Minha vida teria mudado para todo o sempre e, honestamente, não sei se teria conseguido me manter íntegra. O terceiro Etna (que, na verdade, foi o primeiro a regurgitar suas lavas) dói demais, assim com os outros dois que vieram logo depois, mas nunca tive controle nem qualquer voz ativa sobre ele. Fui engolida e incinerada, descartada como um cigarro fumado, jogado ao chão e esmagado por um sapato que jamais saiu nem sairá da minha vida.

Pois é, todo mundo carrega sua cruz, tem uma ou várias pedras no sapato. Eu carrego essas. E não há nada que eu possa fazer para mudar isso senão guardá-las numa caixinha trancada a cadeado para os demônios não saírem e me deixarem louca – eles saem, me atormentam, mas voltam para a caixinha até a próxima saída.

A vida tem dessas coisas. Perdoem a falta de modéstia, mas acho digno e corajoso admitir minhas fragilidades publicamente e sem medos de levar pedradas e críticas. Ou, talvez, quem sabe, ouvir uma palavra amiga como “eu também passo ou já passei por isso”.

Cláudia Bergamasco é escritora e jornalista

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