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Jundiaqui

 E lá se foi Oswaldo Antônio Begiato, um artista da poesia
6 de maio de 2020

E lá se foi Oswaldo Antônio Begiato, um artista da poesia

Poeta se encantou pela Terra da Uva ainda jovem e aqui deu seu adeus dia 30 de abril, aos 66 anos

Edu Cerioni

Com poucas palavras, ele levava às lágrimas o leitor mais atento e sensível. Deixou perpetuados versos simples só na aparência, porque Oswaldo Antônio Begiato soube construir poesia com forma plástica, assim como seu mestre Manuel Bandeira.

Ele foi do mimiógrafo para a internet com o mesmo brilho e viu o mundo se render a trabalhos como “Oração a Mim Mesmo”, talvez sua obra-prima, traduzida em diferentes idiomas.

Alguns vão preferir outros versos, outros textos, mas de certo todos os amigos guardam lindas lembranças desse jundiaiense por adoção que nos deixou na virada do mês de abril 2020, para sempre marcado pela pandemia do coronavírus.

Fumante inveterado por quase trinta anos, Begiato foi embora aos 66 sem confirmação para a Covid-19. E como ele lutou: encarou duas grandes cirurgias, uma em 2002 quando ganhou três pontes de safena e uma mamária e outra em 2007, ao extrair um tumor da boca, que o obrigou a fazer radioterapia e quimioterapia. Foram grande baques, mas nunca o suficiente para interromper a produção literária de advogado que se dizia “sem banca”.

A poesia entrou em sua vida com Manuel Bandeira e o “Trem de Ferro”. “O que me encantou foi a possibilidade de poder escrever arquitetonicamente. Penso que a poesia tem uma forma plástica, e isso é um desafio espetacular. Escrever plasticamente, como se pintássemos um quadro, ou como se projetássemos uma obra arquitetônica”, disse em entrevista ao site “CineZen Cultural”, para o qual concedeu certa vez uma longa entrevista, feito raro para um tímido assumido.

Nessa mesma entrevista, contou sobre o primeiro livro, “O Menino”, de 1988, rodado nos antigos mimeógrafos. Chegou a publicar um segundo, em 2016, “Algumas Poesias Miúdas”. O grande volume mesmo de sua poesia foi aberto ao mundo de forma virtual.

Ele dizia ser assim a vida de poeta: “Quando vou à praia costumo escrever poesias na areia, com um graveto ou uma conchinha, mesmo sabendo que a água e os passos das pessoas irão apagá-las. Fico fascinado quando minhas mãos pegam o objeto livro e posso sentir a forma, o peso, o cheiro e imaginar que ali dentro há um mundo todo disposto a correr para dentro de quem se põe a lê-lo. E o mundo digital é absolutamente fantástico na medida em que podemos estar em contato com um número enorme de pessoas, nos mais longínquos lugares que nos lêem e nos admiram e encontram nas coisas que escrevemos algum tipo de conforto”.

Begiato escrevia muitas coisas de forma ficcional, mas quando era como ele mesmo, garante que se preocupava em se rasgar, “em ficar a nu”.

Veja sua visão própria deixada em um post: “Nasci, sob o signo de escorpião, em 26 de outubro, no ano de 1.953 em Mombuca, uma pequena cidade do Estado de São Paulo, vizinha de Capivari, terra de Tarsila do Amaral, que o destino a quis cruzando os caminhos de um certo Oswald que tinha como vício as palavras. A mim acrescentaram dois artigos masculinos, um para ser Oswaldo e outro com acento circunflexo para determinar meu centro, Oswaldo Antônio Begiato. Quando percebi isso, fiz das palavras minha terra natal.

Ainda pequeno vim para Jundiaí, também São Paulo, onde me fiz advogado sem banca, aposentado sem queixas e onde moro até hoje. Vestindo calças curtas, e ainda menino, estudei em seminário de padres missionários, na cidade de Aparecida do Norte, que de norte não me mostrou quase nada. Mas quando me vi adolescente abandonei a vocação que nunca me fora de verdade, mas foi lá que comecei a escrever meus primeiros versos. E lá também comecei a mudar a minha fé. Digo isso porque minha poesia tem muitos resquícios da doutrina católica. Faz tempo que não vou à missa…”

“ORAÇÃO A MIM MESMO”

Que eu me permita
Silenciar e aprender e sonhar mais.
Falar menos com minhas certezas
E mais com meus gestos de gratidão.
Chorar menos pelos cantos
E mais na presença de meus amigos.
Acreditar mais na importância de minhas bobagens
E menos na de meus grandes planos.

Ver nos olhos de quem me vê
A admiração que eles me têm
E não a inveja que prepotentemente penso que têm.
Escutar com meus ouvidos atentos
E minha boca estática,
As palavras que se fazem gestos
E OS gestos que se fazem palavras

Permitir sempre
Escutar aquilo que eu não tenho
Me permitido escutar.

Saber realizar
OS sonhos que nascem em mim
E por mim
E comigo morrem por eu não OS saber sonhos.

Então, que eu possa viver
OS sonhos possíveis
E OS impossíveis;
Aqueles que morrem
E ressuscitam
A cada novo fruto,
A cada nova flor,
A cada novo calor,
A cada nova geada,
A cada novo dia.

Que eu possa sonhar o AR,
Sonhar o mar,
Sonhar o amar,
Sonhar o amalgamar.

Que eu me permita o silêncio das formas,
Dos movimentos,
Do impossível,
DA imensidão de toda profundeza.

Que eu possa substituir minhas palavras
Pelo toque,
Pelo sentir,
Pelo compreender,
Pelo segredo das coisas mais raras,
Pela oração mental
(aquela que a alma cria e
Que só ela, alma, ouve
E só ela, alma, responde).

Que eu saiba dimensionar o calor,
Experimentar a forma,
Vislumbrar as curvas,
Desenhar as retas,
E aprender o sabor DA exuberância
Que se mostra
Nas pequenas manifestações
DA vida.

Que eu saiba reproduzir na alma a imagem
Que entra pelos meus olhos
Fazendo-me parte suprema DA natureza,
Criando-me
E recriando-me a cada instante.

Que eu possa chorar menos de tristeza
E mais de contentamentos.
Que meu choro não seja em vão,
Que em vão não sejam
Minhas dúvidas.

Que eu saiba perder meus caminhos,
Mas saiba recuperar meus destinos
Com dignidade.
Que eu não tenha medo de nada,
Principalmente de mim mesmo:
– Que eu não tenha medo de meus medos!

Que eu adormeça
Toda vez que for derramar lágrimas inúteis,
E desperte com o coração cheio de esperanças.

Que eu faça de mim um homem sereno
Dentro de minha própria turbulência,
sábio dentro de meus limites
Pequenos e inexatos,
Humilde diante de minhas grandezas
Tolas e ingênuas
(que eu me mostre o quanto são pequenas
Minhas grandezas
E o quanto é valiosa a minha pequenez).

Que eu me permita ser mãe,
Ser pai,
E, se for preciso,
Ser órfão.

Permita-me eu ensinar o pouco que sei
E aprender o muito que não sei,
Traduzir o que OS mestres ensinaram
E compreender a alegria
Com que OS simples traduzem suas experiências;
Respeitar incondicionalmente
O ser;
O ser por is só,
Por mais nada que possa ter além de sua essência,
Auxiliar a solidão de quem chegou,
Render-me ao motivo de quem partiu
E aceitar a saudade de quem ficou.

Que eu possa amar
E ser amado.
Que eu possa amar mesmo sem ser amado,
Fazer gentilezas quando recebo carinhos;
Fazer carinhos mesmo quando não recebo
Gentilezas.

Que
Eu jamais fique só,
Mesmo quando
Eu me queira só.

Amém! (Oswaldo Antônio Begiato)

“CHICO BUARQUE DA POESIA”

Renata Iacovino conta: “Conheci o Oswaldo pessoalmente em 2009, e não esqueço sua timidez, era algo muito marcante nele. Oswaldo foi uma pessoa tímida, mas impossível de não ser notado com o impacto do que escrevia. Não dava para passar despercebido”. E foi além: “Oswaldo tinha tanta sensibilidade correndo pelas veias que ora me parecia que residia uma mulher dentro dele. Muitos de seus escritos possuem a mulher como eu-lírico. Eu costumava dizer que ele era o Chico Buarque dos poetas”.

Junto com Renata e outros, participou da Confraria Japi de Haicai durante 10 anos, enquanto ela existiu.

“Chegará a que hora
A imponderável senhora?
À noite? Na aurora?”

Veja mais poesias do Blog  OABegiato

Fotos: reprodução Facebook

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