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Jundiaqui

 O tempo de Angelina Zambelli
10 de novembro de 2018

O tempo de Angelina Zambelli

Por Cláudia Bergamasco
Ela se foi, mas deixou um tesouro em barro, resina, alma, amor, sensibilidade. No fundo, ela foi dar um passeio e deixou para nós um legado a ser cuidado e nunca esquecido…

Eu contemplava e me segurava para não tocar as peças “aquosas” feitas de barro e resina. Meu coração dizia: é lindo, é lúdico, é arte, eu gosto. Isso foi na exposição “Solos” de Angelina Zambelli, a artista e ceramista que eu havia conhecido há pouco mais de dois anos, talvez, e já havia se feito uma empatia mútua. Ela expunha algumas peças, poucas, numa exposição conjunta com artistas diversos – fotografia, pintura, literatura, cerâmica e até gastronomia. Nosso santo bateu. Não conversamos muito, mas percebi que iria me encontrar de novo com aquela mulher.

No segundo semestre do ano passado, veio a exposição individual. Suas peças refletiam uma nova mulher, uma nova fase. Mais madura, mais complexa. No fundo da parede principal de uma das salas da Pinacoteca de Jundiaí, local da exposição, uma frase de Cora Coralina:

“Eu sou a fonte original de toda vida
Sou o chão que se prende à tua casa
Sou a telha de cobertura do teu lar
A mina constante de teu poço
Sou a espiga generosa de teu gado
E certeza tranquila ao teu esforço
Sou a razão de tua vida”
A assinatura é de Cora, mas ali, naquela parede, estavam não só a arte mas a alma expressada de Angelina. Mulher, mãe, artista, sensibilidade à flor da pele. Artistas conseguem observar, enxergar o que pouca gente consegue. Conseguem decifrar o indecifrável em variadas formas de arte. A dela era principalmente a cerâmica. Novos projetos estavam a caminho. Novas ideias brotavam, novas séries de obras, inovadoras, diferentes. Fariam parte de exposições internacionais representando o Brasil. Ops, fariam, no passado, não. Farão. Porque, aconteça ou não, nós nunca vamos esquecer de Angelina Zambelli, não vamos deixar que sua arte morra com ela.

Foi naquela exposição, “Solos”, que conversamos mais. Ela me serviu um espumante, eu disse que gostaria de conhecer seu ateliê e ela foi de uma generosidade ímpar me convidando para ir até lá quando eu quisesse. Não deu tempo. Eu não sabia de nada sobre sua saúde. Eu era apenas uma criança que havia ganho um pirulito de alguém que eu gostava muito não sabia o motivo exato. Estava feliz por nós duas. E grata.

Deus sabe o que faz, mas eu às vezes acho que ele não é justo. Levou Angelina e nos deu uma vida que é um sopro, um soprinho. Quase não dá tempo da gente desenvolver o que é preciso desenvolver. Como eu ainda estou em desenvolvimento (e espero estar por mais algum tempo), peço licença para emprestar uma frase que li em um dos livros da escritora Lya Luft e que cabe como uma luva para este momento: “Para a maioria de nós, o tempo é um processo do qual fugimos, que fingimos ignorar, ou consideramos um mistério inabordável. Para muitos, resume-se ao grande susto final: de repente, tinha-se passado uma vida inteira. (…) O tempo pode ser visto como um assassino em série. Suas correntezas levam pessoas, esperanças, possiblidades. Mas também nos trás o inesperado, o momento em que você perde o fôlego de tanta felicidade.”

É isso, perder o fôlego de tanta felicidade. É o que devíamos nos dar a cada segundo de nossas vidas-soprinho. Um tesouro a roçar nossos rostos, nossos corpos, a nos fazer feliz e, assim, fazermos felizes aqueles que nos rodeiam.

De novo, Lya: (…) o tempo transforma, a memória preserva, a morte absorve – ou absolve?

Absolvida seja, Angelina. Absolvido sejamos todos nós. A pergunta que fica é: antes ou após a nossa morte?

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