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Jundiaqui

 Silenciaram a poesia com uma pedra…
24 de março de 2020

Silenciaram a poesia com uma pedra…

Jundiaí perde o jovem letrista e compositor Lucas Fernandes, aos 22 anos

José Arnaldo de Oliveira

Lucas Alberto Fernandes, um dos criadores do Slam do Zé e autor do trabalho poético-musical “Mehnografia Sixzhour” disponibilizado no Spotfy, morreu aos 22 anos. Levou uma pedrada na cabeça nesta segunda-feira (23) no Centro de Jundiaí, crime que vem sendo instigado pela polícia civil. Entre os trabalhos mais recentes estava “Jundinela”.

Veja o registro emocionante sobre Lucas que foi postado pelo escritor André Kondo:

Silenciaram a poesia com uma pedra… Um menino veio a mim e disse que tinha um sonho. O mesmo sonho que eu tinha. E dizia que não acreditava que seria possível. Afinal, que espaço há para meninos como ele na poesia? Mal sabia que é por meninos como ele é que a poesia existe.

“Professor, mas será que pessoas como eu têm alguma chance?” Eu disse que sim. Ontem sua mãe me ligou, derramando todo um silêncio que está engasgado em minha garganta, que me fez sentir raiva de mim mesmo, por ter acreditado que pessoas como ele tinham uma chance. Por ter mentido pra ele.

Que mundo é esse que atira pedras em poetas? Que mundo é esse que tira a vida de um menino? E sei o que vão dizer os covardes sem abrir a boca: “Mas algo ele deve ter feito, mas algo isso e algo aquilo”, que tentará justificar o injustificável, e não sabem que essas pessoas só não querem dizer na cara: mas ele era negro? E ocultam a escuridão em seus corações, como se as chances fossem para todos, como se a luz brilhasse igual em todos os lugares.

O que eu poderia dizer a um menino que veio até a mim, sem acreditar que lhe dariam uma chance na literatura? Não, não. Ele não veio com vitimismo. Ele só tinha uma constatação sobre as vozes como a dele, caladas por tanto tempo.

Ele sabia. Eu não podia dizer nada além de tomar um trem com ele, para irmos ao lançamento da Fundação Palmares, com autoras e autores que celebravam a negritude. Lucas viu, em uma mesa, lado a lado, a sua possibilidade. Sua pele era a mesma pele, enfim.

Desculpem-me, não era para falar sobre isso em um momento como esse. Mas eu não aguento mais algumas pessoas que não se colocam no lugar do outro. Que julgam, que classificam, que separam. Que atiram pedras… Perdão, Lucas…

Lucas, em suas palavras:

“Meu nome é Lucas… Tenho 18 anos e moro com minha mãe… Já tive muitas vontades, tipo ser jogador, advogado e quem sabe até cineasta. Mas meu maior sonho é viver das letras… Quero ser exemplo de superação para muitos que se encontram fraquejados e desiludidos com a realidade, através de meus trabalhos. Costumo escrever de manhã, mas já me acostumei com as noites em claro compondo. Tenho um gato e já tive um papagaio que cantava e dançava. Amo o mar”.

Lucas, em meu silêncio:

“Lucas Alberto Fernandes é o cara. Chegou assim, aluno que faltava muito, mas que se fazia presente com a preocupação de sua mãe, Viviane, que em aula olhava o celular para ver se o filho viria ou não (imagino as broncas suaves depois de uma aula em que ele não vinha). Formou-se com aulas de reposição, rs. Mas sei que Lucas tinha e tem a alma transgressora, que não aprisiona em versos em salas de aula, mas os liberta nas ruas. Escreve e declama não para que pessoas que têm o privilégio de estudar ouçam, mas para os que não têm voz nos becos e periferias da vida. Versos fortes, que saem de sua boca como quem derrama o silêncio de muitos”.

Dama da Noite
(Lucas Alberto Fernandes – Menoh)

E lá vem ela!
Com seu jeito indelicado,
Mas com calma se aproxima.
Às vezes se deita ao meu lado. Sem alma, fria!
Carregada de sentimentos vem – a mim e se transborda,
Faz devagar correr o tempo,
Só se despede ao ver a aurora.
Sempre me acompanha nos momentos difíceis,
Sempre está comigo quando mais me sinto triste,
Sempre bate em minha porta quando vê que estou sozinho,
Chega sempre no silêncio, ao ouvir o som de meu suspiro…

Voa… voa… voa… beija-flor da escuridão,
Pouse e tome o pouco de espaço que tenho no coração.
Sou seu pólen, sou seu ninho,
O alvo para seus castigos,
Mas você é minha inspiração.
Sem ter tanta compreensão,
Sou nuvem, você a chuva,
Mas não me faça chorar
Porque hoje…
Só tenho olhos para a Lua.

***

Lucas, a Lua é sua agora. Sempre foi.

***

Neto de um tapeceiro da Vila Rio Branco, onde cresceu, Lucas buscava ligações entre a poesia escrita dos saraus e a poesia falada do rap. Seu trabalho anterior em grupos era chamado por “Grafia de Rua”.

***

Esteve em um evento recente do Grêmio Pedro Fávaro, no Gabinete de Leitura Ruy Barbosa, e fazia desde 2019 o “Slam do Zé”, primeiro em um praça da Vila Municipal e depois transferido para outra no Vianelo.

Veja mais: aqui

 

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