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Jundiaqui

5 de agosto de 2017

Deus te livre…

Os tempos mudaram, as tradições do jundiaiense se esvaíram com o progresso, mas a língua… Por Wagner Ligabó

Por viver e ter laços de profundo bem querer por esta velha cidade, confesso que desde quando vim para Jundiaí estudar medicina, a cidade, por seus hábitos provincianos enraizados, tratava a quem aqui chegava como “forasteiro”. Éramos a legião estrangeira. Só faltava pedirem nosso passaporte.

Quando cheguei, os “estrangeiros” radicados aqui há mais tempo me alertaram para a delícia que era residir por estas bandas, enumeravam as maravilhas da cidade, a simpatia de sua gente, mas alertavam para uma preocupação especial: ter cuidado com a língua de Jundiaí, implacável na palavra, de teor severo e poder ferino e, por vezes, maldosa. Era o cuidado fundamental a ser tomado aos recém-chegados e o alerta a prestar muita atenção em todos os atos e atitudes. Qualquer deslize poderia ser fatal.

É notório, desde o tempo do onça, e sempre fez parte da cultura das cidades do interior, aquele ambiente de calmaria nas ruas, cadeira na calçada, comadre na janela e a possibilidade de se jogar conversa fora sem compromisso, colocando as fofocas em dia. E para legitimar o mexerico, ele tinha que ir aumentando de tamanho na base do “cada conto aumenta um ponto” até atingir a premissa mordaz de Goebbels, onde uma mentira dita cem vezes torna-se verdade. E aí era só espalhar o escândalo, que se propagaria em velocidade de fogo em palheiro.

A princípio achei engraçado tantos cuidados, entretanto o pessoal insistia no rigor do autopatrulhamento da postura e atenção às mesuras, pois em Jundiaí, diziam, caso se caísse na boca do povo a coisa era feia, superlativa, uma tragédia para sua reputação.

O tempo passou, eu envelheci, Jundiaí cresceu, mas na essência duas tradições continuam incólumes e clássicas por aqui: a tirada bem humorada “Deus te livre da língua de Jundiaí!” e o amor à boataria. Ah! O doce boato… A venenosa fofoca… Volta e meia rondam meu nome e eu, supersticioso de carteirinha, fico cismado que um dia a praga cole. Já me mataram três vezes, a ponto de ligarem para saber a hora do enterro. Doenças graves? Três infartos, câncer de dois tipos e acidente vascular cerebral, um só, que, por sorte, me recuperei bem.

Os tempos mudaram, as tradições da velha Jundiaí se esvaíram com o progresso desenfreado e predador, mas ainda persiste, como recordação histórica, esses gostosos burburinhos e falatórios, que no fundo fazem parte da hegemonia da cultura jundiaiense, herança de um tempo sem pressa que, cá embaixo, da rua Baronesa do Japi, a gente regulava quem estava na porta do Mirim Dog e já soltava uma fofoca novinha em folha.

Wagner Ligabó é medico cardiologista e vereador

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