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Jundiaqui

 Dias de chuva
10 de outubro de 2017

Dias de chuva

Por Wagner Ligabó

Chuva, muita chuva. O prazer de fechar os olhos e sentir a bruma gelada inundar a face, sem cerimônia, é prazer que remonta as farras de infância. É só fechar os olhos e viajar em pensamento. Nestas horas a idade não tem idade. Ficar em casa de férias e a tardinha tomar chá preto bem quente ouvindo o titilar das gotas batucando numa cadencia gostosa na velha calha, cria uma ressonância que hipnotiza e traz paz ao espírito.

Ao ficar só na varanda esparramado na cadeira de vime observando sem compromisso as plantas do jardim, tenho a sensação que conversamos em silêncio. Elas com hálito de clorofila falam sem parar, todas em sintonia invejável. Agradecem o aguaceiro pelo banho diário e pela alma saciada pela farta irrigação de suas raízes, e me aconselham em uníssono a ficar mais tempo junto delas, pois assim ficará mais fácil entender os dias de hoje. Os desanimadores dias de hoje. Olho a plateia verdejante, sincero agradeço, digo que não existe companhia mais agradável, porém entender o que acontece hoje em dia com meu Brasil, mesmo em tão seleta companhia, não me dá esperança.

Não sei se com você está assim: ando cansado, injuriado, inconformado com o rumo que as coisas tomaram. Estamos em tempo de fartura: “farta” tudo. É só dar um pulinho lá no hospital para ver. Ler jornal e revistas, assistir TV, ir ao supermercado, virou um compromisso desalentador. Não precisaria estar assim, mas se argumento qualquer coisa relacionado a política, por exemplo, sempre tem um reacionário, desprovido de mínimo argumento, cultura rasa, apenas ensandecido de viés partidário, e que lhe autoriza dizer que só falo asneira ou algum outro elogio pejorativo do gênero. Discutir com um coitado desses? Perda de tempo, e são muitos. E assim, cada vez mais, vou embrenhando num mundo particular, adequado e restrito, porém confortável. Toda história de ermitão é digna e singular.

Certo elas então, as plantas. Não dependem de ninguém, são moucas aos nossos problemas, não reclamam de nada, e quando querem protestar é através de atitude pacífica: murcham aos poucos; em estado extremo morrem sem emitir um gemido. Sua tristeza, sua insatisfação, sua vida, só depende da água livre que a Mãe Natureza sempre lhe ofereceu em abundância. Esta mesma mãe que resiste bravamente à tirana lei dos homens que tanto insistem em lhe agredir e desrespeitar.

É… O melhor é ficar em suspensão, absorto mesmo, derramado em pensamentos do querido paraibano Ariano Suassuna, que do alto da sua sabedoria debulhada em trova de cordel, enchia-me a alma. Dava gosto ver o Mestre recitar sorrindo: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso… que é muito difícil você vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos.”

Ou quando dizia: “Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas.”

E, finalmente, o rastilho que me esperança: “Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver.”

O poeta esperançoso descansa em paz. Só falta o Brasil recuperar sua esperança.

Wagner Ligabó é médico cardiologista e vereador

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