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Jundiaqui

 O mosquito e o marido
23 de dezembro de 2018

O mosquito e o marido

O inseto que fez Celso confessar o que não devia, conta Cláudia Bergamasco

Cláudia Bergamasco

SSSSSLAPT!!

Uma só toalhada foi suficiente para esmagar na parede aquele maldito mosquito que azucrinara Maria Tereza a noite inteira. Ela acordou várias vezes, acendeu a luz, ficou de pé na cama e tentou matar o filho da puta do inseto que zunia em círculos na sua cara. Ela cobria a cabeça com o lençol e o suor escorria. Era só apagar a luz e lá vinha ele, um mosquitão desses que aparecem só nesta época do ano, quando o sol é impiedoso e a chuva forte acalma um pouco a temperatura à noitinha.

Celso, o marido, continuou dormindo. Roncava alto, como sempre, o que deixava Maria Tereza uma vara. Era como um motor de carro velho ou uma longa trovoada seguido de um sibilo gutural que mais parecia uma bexiga gigante murchando. Ela já havia perdido as contas de quantas vezes implorara para ele se tratar. Falava que ele podia ter até um AVC. Num resmungo baixo, Celso dizia: “tá bom, tá bom, eu vou.” E terminava com um “não me enche o saco” dito baixinho entre os dentes.

Maria Tereza achava que os mosquitos gostavam dela por causa da pele branca, do “sangue doce”. Alérgica a qualquer inseticida, ela passava várias camadas de creme no rosto e no corpo todo antes de dormir, enquanto Celso nem ligava.

– Você está nervosa à toa. Aqui nem tem mosquito, dizia num tom zombeteiro enquanto um zunido se ouvia ao longe.

Durante o dia, Maria Tereza lascava o pano de prato úmido nos vidros da janela da cozinha. Chegava a contar quantos mosquitos matava por dia. Era um inferno. A pele pipocava, coçava, ficava vermelha e fazia vergão.

Na manhã seguinte, ela acordou e viu um mosquito fazendo a festa no rosto do marido. Não teve dúvidas: lascou-lhe um tapão e matou o desgraçado. Celso acordou assustadíssimo e gritou:

– Ai, ai, calma, calma, Maria Tereza, eu não tenho culpa. Foi ela que deu em cima de mim. Foi ela, foi ela, eu sou inocente. Ela me obrigou a transar, não precisa me bater!

Cláudia Bergamasco é escritora

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