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Jundiaqui

 Quais livros ter na sua biblioteca
3 de agosto de 2019

Quais livros ter na sua biblioteca

São sugestões de Cláudia Bergamasco que podem mudar sua vida, como mudaram a dela

Cláudia Bergamasco

Um pedido que me fazem frequentemente é que livros ler – já que escrevo, sou jornalista e amo livros. Acho o tema muito bom. Tão bom que daria até um livrinho sobre o gosto de ler livros, o que seria muito mais democrático do que indicar aqueles que são importantes para mim e, ao mesmo tempo, mais estimulante do que uma listagem.

Muitas vezes não são os clássicos que despertam os jovens – ou aqueles que não têm afinidade com os livros, mas gostariam de ter – para a literatura e, dependendo da idade do leitor potencial, podem-se sugerir os mais diversos títulos ou gêneros.

Quando criança, comecei a ler, ou melhor, devorar, gibis. Todos da Disney e do Maurício de Sousa. Comprava pouco. Emprestava muito de um primo que morava perto e que, por sorte, tinha uma invejável coleção que ele gentilmente cedia. Eu lia todos e, ao fim, começava tudo de novo, porque não havia tostão para gibis (já disse isso aqui um milhão de vezes, mas vá lá novamente).

Minha mãe, também amante da literatura, ficou sócia do Gabinete de Leitura Ruy Barbosa lá pelos idos dos anos 1970 e deixou de sê-lo poucos meses atrás. Com mais idade e ávida pela vida, passei a frequentar a casa com constância. Discutia os títulos lidos com um amigo, Edson Bezzan. Liamos Clarice Lispector, Fernando Pessoa. Muito por influência dos artistas que admirávamos na época, como Maria Bethânia, que, com sua veia poética e teatral, declamava poemas lindos nos seus discos. Corríamos para saber de quem eram e líamos o livro todo. Também são dessa época as leituras das peças de Chico Buarque, cantor que, em casa, era da casa: “Calabar”, “Fazenda Modelo”, “Gota d’Agua”.

Depois esses autores meio que me saturaram. Eu já era uma adolescente e queria ler coisas mais densas – não que os senhores Pessoa e Buarque, e a senhora Lispector não fossem. Eu precisava expandir. Escolhi “A Náusea”, de Jean-Paul Sartre. Entrei em casa com o livro debaixo do braço e meus pais se entreolharam como se dissessem um para o outro o que essa menina está pensando? Sartre? Sim, Sartre. Li até metade e deixei de lado. Achei difícil, não entendi e, anos depois, fui ler sua companheira, Simone de Beauvoir, que também deixei de lado. Percebi que ambos não eram minha praia. Não naqueles tempos. Talvez hoje, já na chamada melhor idade, eu tenha uma interpretação bastante diferente dos livros escritos por Sartre e por Simone. Mas não tentei. Ainda.

Quando entrei na faculdade, em 1984, veio a grande mudança, o divisor de águas. Uma professora minha – na época casada com um jornalista jundiaiense de renome que trabalhava no Estadão e que teve sua vida ceifada aqui mesmo como diretor de redação de um jornal desta terrinha – sugeriu para mim um autor que passaria comigo o resto da vida: Gabriel Garcia Márques. O livro sugerido foi “Cem Anos de Solidão”. Li e pirei. Achei demais. Comentei com uma porção de amigos, mas só alguns se interessaram.

Tempos mais tarde, li novamente. A história é complexa, cheia de linhagens, gerações, personagens que se conectam do fim ao começo. Continuei encantada. Uns dez anos depois da segunda leitura – e muitos outros livros de Gabo “comidos” sempre na cama, antes de dormir – li novamente. Desta vez, abri o livro disposta a fazer uma árvore genealógica. Fiz. Rabisquei, cortei, fiz de novo até chegar ao que considerei uma interpretação correta sobre a incrível saga que Gabo escreveu em 1967.

Tenho o mesmo livro até hoje – trigésima edição comprada em um sebo. Foi presente para um tal de Ednaldo. Agradeço esse senhor por ter se livrado de “Cem Anos de Solidão”. Certamente, se estava em um sebo, não lhe apeteceu. Pobre alma.

Tenho quase todos os livros de Gabo. Depois de três imersões em Macondo, impossível não ler outros romances desse colombiano prêmio Nobel de Literatura em 1972. Bem, o tal Ednaldo não gostou. Muita gente pode não gostar de Gabo, mas eu recomendo fortemente qualquer um que ele escreveu, como “O Amor nos Tempos do Cólera”, “A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada”, “Memórias de Minhas Putas Tristes” e “Viver para Contar”, este o último que escreveu antes de morrer. Segundo a crítica, é um misto de romance com traços autobiográfico. Sou suspeita para dizer que são todos incríveis.

“Crime e Castigo” – Entre os clássicos mundiais, um deles transformou minha vida: “Crime e Castigo”, do russo Fiodor Dostoievski. O dilema vivido pelo personagem principal, Rodion Românovitch Raskólnikov, é tão intenso que se tornou meu enquanto eu lia o livro. Rodion é um jovem estudante que comete um assassinato e se vê perseguido por sua incapacidade de continuar sua vida após o delito. Mas, ao longo do livro, você nunca tem mesmo certeza se ele é o assassino ou se presenciou um assassinato. A narrativa é psicodramática e você, leitor, entra no personagem, no quarto do personagem, na cabeça do personagem e pensa que, talvez, você também tenha cometido um assassinato ou visto um. Foi a partir deste livro que eu comecei a ler Freud e Jung.

É um romance emblemático sobre a condição moral de todos que articulam sua insatisfação. Foi, por muitas vezes, motivo de comentários com um amigo jornalista. Falávamos da tradução portuguesa de Portugal de “Crime e Castigo”. Rodion estava sempre às voltas com uma “chávena de chá”, ou simplesmente xícara. Volta e meia nos encontrávamos no hall dos elevadores do prédio do jornal em que trabalhávamos e ele me convidava para uma chávena de café com um gesto cavalheiresco.

Acredito que Dostoievski não seja para qualquer leitor. “Os Irmãos Karamazov”, que virou filme, é outro bacanudo do autor russo. Freud o considerou a maior obra da história da literatura mundial, junto com “Hamlet”, de Shakespeare, e “Édipo Rei”, de Sófocles. O motivo é óbvio (para Freud): os três livros tratam do embate entre pai e filho e retratam o Completo de Édipo.

Cada leitor tem seus pendores, e só depois de uma certa maturidade é que podemos deixar de ler só aquilo que nos é imposto (na escola, por exemplo) ou que nos interessa diretamente. Mas, se vale uma recomendação, ao menos tente ler “Crime e Castigo”. Busque uma edição com tradução em português do Brasil e não de Portugal.

Nada contra a língua falada em Portugal (sim, é diferente do nosso português). Mas, quando o livro é realmente bom e bem escrito, você consegue sentir o cheiro dos lugares onde a história se passa, sentir frio ou calor, fome, sede, raiva, amor, temor e os mais diversos sentimentos. Comigo foi assim com “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann. Em uma cena que não passa de cinco minutos, Mann descreve em mais de cem páginas uma situação em que o personagem está andando na neve. Peguei casaco e cobertor, porque estava lendo, congelando e entrando em êxtase.

Em “Ensaio sobre a Cegueira”, de Saramago, fiquei tão sugestionada pela história que precisei consultar um oftalmologista para saber se minha miopia tinha aumentado ou se eu mesma não estava ficando cega. E em “A Festa do Bode”, do excepcional Vargas Llosa, tomei um calmante para não trucidar o general Rafael Leonidas Trujillo Molina, o Bode, e a implacável ditadura que implantou na República Dominicana do século 20 durante seus 31 anos de governo. O livro é duro, mas genial. Uma narrativa excepcional. E tem tudo a ver com os governos latino-americanos, especialmente alguns governantes brasileiros.

Tons de cinza – Na lista dos mais vendidos de várias publicações, os campeões são, há décadas, os de autoajuda. Particularmente acho que autoajuda não pode ser chamado de literatura. Alguns até têm um apelo interessante, mas a maioria é tão baixo, tão óbvio e ruim que não poderia constar de lista alguma. Mas, se estão lá é porque têm leitores. E eles são muitos.

O mesmo raciocínio vale para títulos como “Cinquenta Tons de Cinza” e seus filhotes que, para mim, não passam de manuaizinhos de masturbação para adolescentes e mulheres que não sabem o que é um orgasmo. Molhar a calcinha (ou a cueca) por causa de um rapazote musculoso endinheirando que curte um sadomazô? Desculpem, mas estou fora. Xaropada pura.

Certa dose de disciplina é obviamente necessária. Durante minha vida, procurei cobrir quase todas as literaturas: russa, francesa, inglesa, italiana, americana, brasileira, sul americana etc. Li uma só no original. Outra, italiana, não consegui. Além de mega complexa, a história é contada em versos. Estou me referindo a “Ulisses”, de James Joyce, um catatau que trata de um tema interessantíssimo: aspectos da fisiologia humana. Mas, dificílimo de ler. Não recomendo para quem quer entrar para o mundo maravilhoso da literatura. Comece mais devagar, com um livro bem mais fácil.

Conhecimento – Um amigo jornalista que já morreu me disse um dia algo assim: conhecimento não é o mero acúmulo de informação, muito menos a posse de verdades. É aquilo que faz você, e só você, sentir que está ampliando sua capacidade, sua percepção, sua crítica e autocrítica, nem que seja para voltar atrás em suas mais arraigadas convicções – ou precisamente para isto.

A ideia do preceptor me desagrada, porque acho que o conhecimento deve ser buscado “a capella”, sozinho, com todo o esforço e prazer consequentes. Como dizem, é uma aventura – e que aventura!

Biografias são como aventuras para mim. São como se eu me apoderasse da vida alheia. Não de qualquer uma e nem de qualquer autor. Precisam ser ambos muito interessantes. Exemplo: Walter Isaacson, um jornalista norte-americano autor de várias biografias excelentes: Steve Jobs (não desgrudei os olhos das 606 páginas do livro até acabar), Benjamin Franklin, Einstein, Kissinger. O mais recente é Leonardo da Vinci, que também “comi”, por motivos óbvios: eu a-do-ro arte, a-do-ro da Vinci, amo para valer a Itália (io sono una donna italiana, capisci?) e gosto demais do jeito de Isaacson escrever e descrever seus eleitos. Ele escolhe pessoas interessantíssimas, o que torna o livro uma leitura ainda mais curiosa e prazerosa.

No Brasil, temos Ruy Castro, um biógrafo, se é que podemos chamar esse jornalista e escritor assim, de primeiríssima linha. São dele as biografias de Nelson Rodrigues (ô vida maluca e triste que esse homem teve), Garrincha, Carmem Miranda e uma série de livros sobre o Rio de Janeiro dos anos 1950 que são deliciosos. Ruy não tem escrito ultimamente. Faz falta.

Não vou falar de autores consagrados mundialmente e que reli adoidado, mas falarei de outros livros que são abertos a interpretações e que não constam e não constarão de listas nenhuma, como “Uma História Natural dos Sentidos”, de Diane Ackerman, que trata das coisas mais corriqueiras do ser humano, porém, as mais importantes, como a capacidade de cheirar, degustar, ouvir, tocar e ver. Uma interpretação e descrição voluptuosa e encantadora das maneiras pelas quais, nós, seres humanos, conhecemos e saboreamos o mundo em que vivemos. A mesma coisa se pode dizer de “O Livro de Ouro da Mitologia”, de Thomas Bulfinch. Parece bobinho, mas não é. Você conhece o passado para entender o próprio mundo. Uma delícia.

“Uma História Natural dos Ricos” é outro exemplo. Escrito pelo jornalista (jornalistas costumam escrever ótimos livros) Richard Conniff, o livro constata que os ricos “são uma espécie socialmente única quando comparada pela inesperada lente do naturalismo. Ele prova, por exemplo, que genomas do chimpanzé e do presidente dos Estados Unidos Donald Trump são 98,4% idênticos. Isso não é sarro, é pesquisa científica, que Conniff conta com humor afiado e para lá de curioso.

Faltam ainda Orwell, Flaubert, Salinger, Balzac, Shaw, Hesse, Wilde, Huxley, Guimarães Rosa, Monteiro Lobato, Suassuna, nos pensadores e filósofos e muitos outros que não citei. Não nos esqueçamos dos escritores mais jovens, vivos, que moram no mesmo país e, muitos, o mesmo estado que eu e você e que também não constam de listas dos top ten, mas são tão bons e tão interessantes de ler quanto um autor clássico. Não dá para falar de todos que eu tenho em mente. Precisaria de muito espaço e certamente você não leria até o fim. Existem pelo menos 500, 700 ou 1.000 livros para se ler obrigatoriamente nesta vida.

Em defesa dos títulos que citei aqui, digo apenas que duvido que alguém ciente afirme que algum deles não vale a leitura. Porém, estou sempre aberta a sugestões. Não conheço tudo e nunca conhecerei, mas sempre estarei vibrando por novas e boas leituras.

Cláudia Bergamasco é jornalista e escritora

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