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 Crônica da cozinha – As razões de cada um
28 de fevereiro de 2021

Crônica da cozinha – As razões de cada um

Por Manuel Alves Filho

É preciso ao menos um bom motivo para alguém decidir-se por uma atividade profissional. Óbvio? Nem tanto. Na maioria das vezes, as razões existem, mas com frequência não estão em sintonia com a natureza do ofício.

O que leva uma pessoa a querer se tornar chef de cozinha, por exemplo? Em 30 anos de observação e prática, tenho testemunhado profissionais que apresentam as mais diferentes motivações. Entre elas, ganhar dinheiro, ficar famoso, comandar um programa de TV, postar vídeos e fotos no Facebook, desenvolver a criatividade e proporcionar prazer aos outros.

Todas estas razões são legítimas, se considerarmos que qualquer indivíduo tem direito de fazer a sua escolha profissional, baseado no princípio que mais lhe convém. Ocorre que opções feitas a partir de bases frágeis tendem a causar resultados deletérios, entre eles a frustração.

A reflexão emerge a propósito do filme britânico “Toast” (foto abaixo), lançado em 2010, que no Brasil recebeu o curioso título de “A história de uma criança com fome”.

 

Assisti novamente à produção dias atrás e, ao final dela, senti um desejo irresistível de cozinhar. Não vou entrar no mérito do valor artístico e estético do filme e nem tampouco farei considerações sobre a qualidade do roteiro. Mas vou me valer de algumas passagens do longa-metragem, que conta a história do chef-celebridade britânico Nigel Slater, para dar continuidade à reflexão do início deste texto.

Ao acompanharmos a história de Slater, percebemos que ele descobriu e entregou-se à gastronomia como forma de enfrentar dramas, medos e carências. Dito de outro modo, o ato de cozinhar foi a forma que ele encontrou para se apresentar e dialogar com o mundo, inicialmente aquele formado pelas pessoas mais próximas e, posteriormente, com o constituído por rostos, personalidades e intenções difusas.

Eis, pois, um bom motivo para querer ser chef de cozinha – usar técnicas, habilidades, conhecimentos, sensibilidades, ousadia e até fragilidades para dar sentindo à própria existência e, a partir dela, sentir-se partícipe deste experimento atordoante chamado vida. Mas aí o caro leitor perguntará: mas isto é garantia de sucesso? Sim, se sua definição de sucesso for arrancar suspiros do comensal com o melhor merengue de limão que você for capaz de fazer.

A propósito, ao final do filme rumei para a cozinha e cometi uma salada de grão de bico com bacalhau. Modéstia às favas, ficou incrível. Prato com sabores, cores e texturas desbragadamente gozosos. Expressão anímica forjada a fogo, desejo e compromisso!

Manuel Alves Filho é jornalista e chef de cozinha

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