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Jundiaqui

 Pandemia, queijos e literatura
8 de julho de 2020

Pandemia, queijos e literatura

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Nos bons tempos de antes da Covid-19, quando ainda se podia comer fora de casa, os pratos oferecidos pelos restaurantes de Jundiaí incluíam com frequência, entre seus ingredientes, algum queijo dos tipos que contêm o gênero de fungos conhecidos como Penicillium. Os exemplos mais comuns são risoto de queijo Brie, filé com molho de Roquefort e polenta com Gorgonzola. Nas pizzarias também o cardápio quase sempre incluía Gorgonzola, geralmente nas pizzas de três ou quatro queijos. Mas nem o Roquefort do filé e nem o Gorgonzola da polenta e das pizzas merecem esses nomes, porque na verdade são variedades do queijo azul dinamarquês. Para justificar essa afirmação, é preciso especificar o tipo de leite e o tipo de fungo envolvidos na fabricação.

O Brie contém Penicillium candida, o Requefort contém Penicillium roqueforti e o Gorgonzola contém Penicillium glaucum. Nenhum desses fungos serve para fazer penicilina, mas todos eles têm propriedades bactericidas. O verdadeiro Roquefort é feito com leite de ovelha e Penicillium roqueforti, que é azul. O verdadeiro Gorgonzola é feito com leite de vaca e Penicillium glaucum, que é verde, como o nome indica. Que eu saiba, nenhum fabricante brasileiro segue essas especificações. O que no Brasil passa por Roquefort ou por Gorgonzola na verdade é um tipo de queijo azul dinamarquês, ou seja, é feito com leite de vaca e Penicillium roqueforti.

Essa invenção dinamarquesa, conhecida abreviadamente como Danablu, também é produzida nos outros países nórdicos, com o nome de Gamalost (queijo velho) na Noruega – foto acima -, Ädelost (queijo nobre) na Suécia, e queijo Aura na Finlândia (o nome vem do Rio Aura). Maria Helena e eu estivemos em todos esses países e experimentamos todos esses queijos. Há nuances diferentes em cada um, na textura e no sabor.

Os dinamarqueses também inventaram o Saga, que é uma mistura de queijo azul com Brie. Uma versão francesa dessa hibridação, o Bleu de Bresse (azul de Bresse), pode ser encontrada em São Paulo, no Empório Santa Luzia.
Outras variedades de queijo azul são populares no nordeste da Península Ibérica. Nas Astúrias tem o nome de queso de Cabrales e é feito com uma combinação de leite de vaca e leite de cabra ou de ovelha. Na Cantábria tem o nome de Picón de Bejes e efeito com leite de vaca, de cabra e de ovelha.
Na parte inglesa do Canadá, é fabricado com o nome de Dragon’s breath (bafo de dragão), nome que alude ao fedorzinho de chulé do Penicillium. Na parte francesa do Canadá tem o nome mais elegante de Bleu Bénédictin (azul beneditino), por ser fabricado na abadia de Saint Bénoit du Lac (São Bento do Lago).

Na Inglaterra, o queijo azul é conhecido como Stilton. Deixei a Inglaterra por último, porque queijo que leva Penicillium inspirou pelo menos três escritores de língua inglesa.

G. K. Chesterton, por extenso Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), é muito conhecido como o criador do personagem Padre Brown (uma das minhas leituras favoritas), mas também escreveu a respeito de tudo o que se possa imaginar, desde teologia até queijo azul. Em uma crônica disponível na Internet, intitulada “The poet and the cheese” (o poeta e o queijo), Chesterton comenta que, ironicamente, o Stilton não é mais fabricado na cidade de Stilton, que lhe deu o nome. E insere um soneto em homenagem ao Stilton.

P. G. Wodehouse, por extenso Sir Pelham Grenville Wodehouse (1881-1975), outro dos meus favoritos, criou um personagem histriônico chamado G. D’Arcy Cheesewright, apelidado pelos amigos de Stilton Cheesewright, por motivos óbvios (cheese é queijo em inglês).

O irlandês James Joyce (1882-1941), no polêmico livro Ulisses (1922), faz o personagem Bloom almoçar um sanduíche de Gorgonzola acompanhado por uma taça de vinho da Borgonha. Combinação infeliz, deliberadamente escolhida por Joyce.

Para acompanhar o Roquefort, ou um queijo azul de boa qualidade, o vinho ideal é o Sauternes. Sobremesa muito apreciada pelo saudoso gastrônomo e chef amador Francisco Octávio de Almeida Prado, meu padrinho de casamento, conhecido aqui em Jundiaí, entre os ex-alunos das primeiras turmas da FADIPA, como Chico Metralha, porque dava aula falando muito depressa.

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é advogado e escritor

 

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