Mestranda em dança sofre ataques em redes sociais
Por Edu Cerioni, pai de Fetú Nicioli – Bailarina desde os três anos de idade, com formação pelo sistema Royal Academy of Dance e mestranda em Dança pelo Instituto de Artes da Unicamp, a jundiaiense Fetú Nicioli vem sendo alvo de um intenso ataque nas redes sociais por uma performance que publicou no Instagram, intitulada “A delicada dança do monstro” no II Congresso de Estudos de Gênero e Interseccionalidades, que aconteceu na Escola de Humanidades da PUC-RS, em Porto Alegre, entre 23 e 25 de setembro, e foi divulgada em 6 de outubro.
A campanha com conteúdo transfóbico se tornou viral após os disparos em grupos de seguidores do PL. O deputado Nikolas Ferreira, o vereador Rubinho Neves, de São Paulo, e outros, como Albino, um ex-vereador e candidato derrotado a vice-prefeito de Jundiaí, foram alguns dos que postaram e serão processados por bullying e apropriação intelectual indevida. Albino usou foto sua nas críticas que fez à apresentação da acadêmica-artista, já em clara campanha eleitoral antecipada.


São ataques e xingamentos direcionados à jovem estudante, a maioria sem entender o contexto da performance, simplesmente destilando ódio contra tudo, inclusive sua aparência, sua roupa. Muitos entraram em um campo ainda mais sombrio, falando do Diabo no corpo e coisas do gênero. Já foi aberto Boletim de Ocorrência na Polícia Civil.
As publicações concentram milhares de comentários que também questionam a validade da produção artística e o papel da universidade pública, além de incitações que indicam ser “falta de surra na infância”, pedindo “chama o pastor” e assim por diante. Teve até psicólogo que será acionado no CRP, o conselho de ética da categoria, ironizando a performance e, ao mesmo tempo, desqualificando o trabalho dos CAPS – Centro de Atendimento Psicossocial mantido pelo SUS.

Nesta quarta-feira (8), a Universidade de Campinas divulgou nota de repúdio aos ataques à Fetú. O documento afirma que “a Direção do Instituto de Artes da UNICAMP repudia veementemente os ataques virtuais e a campanha de difamação dirigidos a um membro do nosso corpo discente de pós-graduação, em decorrência da divulgação de sua pesquisa acadêmico-artística. A descontextualização do trabalho e a incitação à violência são práticas inaceitáveis. O Instituto de Artes se posiciona de forma irrestrita em defesa da arte, da ciência e da universidade pública como espaços de conhecimento e livre expressão. Manifestamos total solidariedade com a vítima desses ataques”.

A Reitoria da PUC-RS informou ter convocado a comissão organizadora do congresso para uma reunião, mas ainda não divulgou nenhuma nota, se omitindo. Contudo, um clima de comoção fez com que muitas mensagens de apoio e manifestos fossem direcionados à Fetú, que faz pesquisa de mestrado em Artes da Cena, orientada pela professora doutora Marisa Lambert.
Fetú explica: “A comunicação foi realizada dentro de um simpósio temático e teve recepção muito positiva de pesquisadores. Não costumo publicar vídeos nas minhas redes sociais, porém a própria organização do congresso me encorajou a compartilhar o registro, manifestando interesse na veiculação do material, tanto que o perfil do congresso compartilhou o registro em um Story.
Os primeiros comentários de ódio foram excluídos pela mestranda, mas, com o aumento desproporcional do movimento de agressões verbais, ela passou a registrá-los em capturas e gravação de tela. “Vi incontáveis publicações do meu vídeo em outros perfis sem minha autorização, o que é crime. Todos serão denunciados”.
Rubinho Neves, que divulgou fake news contra o padre Julio Lancelotti e cometeu aporofobia (medo ou rejeição aos pobres), por exemplo, publicou no seu perfil da rede X (antigo Twitter) o vídeo com a legenda “Tudo isso na PUC-RS. Às vezes, o que falta é um emprego e um CAPS!”. A partir daí, a veiculação do vídeo saiu completamente de controle, principalmente numa rede social como o X, ainda menos regulamentada do que o Instagram ou Facebook.
Diversos perfis declaradamente de direita, incluindo um story do deputado Nikolas Ferreira, estão compartilhando o conteúdo e sugerindo que Fetú realiza seu trabalho sob o efeito de entorpecentes, evidenciando o desconhecimento e o preconceito absolutos dessa população em relação às artes e à pesquisa acadêmica em artes.
Por fim, ela diz: “Estou me sentindo assustade e desamparade com a repercussão do conteúdo de maneira descontextualizada e com caráter vexatório, considerando que minha imagem está sendo desenfreadamente veiculada e minha propriedade intelectual, desrespeitada. Não podemos permitir que a produção artística e a pesquisa acadêmica em artes sejam deslegitimadas e transformadas em alvo de campanhas de ódio, censura e desinformação. A autonomia de pesquisa, princípio fundamental da universidade pública, está sendo diretamente ameaçada. A forma como o meu trabalho vem sendo tratado publicamente coloca em risco não apenas a minha integridade física e emocional, mas também a de pesquisadories e artistas que se dedicam a investigações que desafiam normas, convenções e estruturas de poder”.
Bullying, mesmo que virtual, e apropriação intelectual são crimes. Distintos, mas ambos são atos desleais e nos quais cabem ações judiciais. No bullying virtual, o agressor se esconde atrás de uma tela de celular ou computador para ridicularizar e humilhar outros. Já a questão de apropriação intelectual é, na verdade, um roubo de ideias e bens de outra pessoa.


4 thoughts on “Mestranda em dança sofre ataques em redes sociais”
Elu é uma pessoa não-binárie, não é ela. Sugiro que alterem os pronomes femininos para neutros, ou então entrem em contato com Fetú.
Inaceitável. Não podemos nunca nos calar diante dos ataques de ódio. Todos os disseminadores de fakenews devem ser processados e a resposta da sociedade deve ser cada vez mais contundente. Só assim se constrói uma sociedade justa.
Precisamos cancelar essas pessoas que não trazem nada de positivo para a sociedade e vivem de atacar quem é diferente delas mesmas. Não sabem o que é Arte nem têm ética e empatia com pessoas que não são de seu mundinho pequeno.
Temos sim que registrar nosso repúdio aos ataques de ódio perante as artes e artistas. Não gostar de algo, não dá o direito de ofender, ou apropriar-se.