
Carro mais antigo de Jundiaí roda há 100 anos
Por Edu Cerioni – De um galpão no Jardim Itália, que guarda verdadeiras preciosidades produzidas ao longo do último século pela indústria mundial de motocicletas e de automóveis, sai o Ford T 1925 para mais uma volta. O carro de José Burche é tido como o mais antigo rodando por Jundiaí e região – poucos outros no Brasil superam sua idade.
O ronco do motor é alto e único, não dá para descrever o som em palavras (te convido a depois da leitura ir conferir um vídeo que produzi e postei nas nossas redes sociais), mas asseguro que é de arrepiar. Só de pensar que já se vão cem anos de atividades… QUANTA HISTÓRIA CARREGA!
O Ford T foi um revolucionário. Antes dele, os transportes eram escassos e a maioria das pessoas se deslocava em veículos de tração animal. Depois dele, as formas de produzir e de dirigir automóveis jamais foram as mesmas.
O Ford T nos deu mobilidade, nos deu liberdade e ainda hoje dá muito prazer a quem o vê em exposições, como as do Clube do Carro Antigo de Jundiaí no Parque da Uva, ou especialmente nas ruas da cidade.
Esse que você vê aqui é um centenário modelo T, um show de automóvel fabricado em 1925 e que, incrivelmente, ainda consegue ter mais de 90% de originalidade. Esse Ford foi apelidado pelo brasileiro, criativo como ele só, de Bigode.
Burche é ciumento e não gosta de que outro dirija o mais raro e caro de sua coleção recheada de grandes modelos. E tem uma boa explicação: é complicado tocar o Fordinho… isso por causa dos três pedais, que funcionam diferente do que acontece hoje com a maioria dos carros. O central controla a ré, o direito controla o freio e o pedal esquerdo é que seleciona as duas marchas. Quando o pé é pressionado por inteiro, entra a primeira e se colocado no meio do curso, então surge o ponto morto. Agora, se o motorista tirar totalmente o pé e acelerar no bigode ao lado do volante, vem a segunda marcha. É um modo de condução que requer muita prática e habilidade.
O motor é um quatro cilindros de 2.9 litros e 20 cavalos de potência. Tem tração traseira e a velocidade máxima chega a 72 km/h.
O Ford T do jundiaiense é da cor preta e em menos de um minuto se transforma de sedan em conversível, com a retirada manual da capota. Imagine o burburinho que fazia por onde passava naqueles loucos anos vinte do século passado com o motorista usando brilhantina no cabelo e vestindo um alinhado terno com gravata borboleta…
O melhor carro já feito? Longe disso, a evolução não para nunca. Mas, fácil, é um dos cinco mais importantes de todos os tempos!
O sucesso do Ford T foi graças à sua facilidade de manutenção, a robustez de seus materiais e o baixo custo das peças. Além disso, servia não só para viajar, mas também como veículo comercial ou agrícola – eram diferentes carrocerias. Um verdadeiro polivalente que surgiu em 1908 e ficou em linha de produção até 1927. Seu motor ainda foi feito até 1941.
E olha que número mágico esse: mais de 15 milhões de unidades foram produzidas, um recorde que só seria superado pelo VW Fusca muito tempo depois, só em 1972. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi muito utilizado na frente de combate por britânicos, franceses e americanos como ambulância e transporte com um excelente desempenho.
O Ford T teve como versão mais barata exatamente a de 1925, 260 dólares. Ele chegou a custar 900 dólares em 1910. Hoje um modelo lindão como esse que estamos vendo não sai por menos de uns 200 mil reais.
O Ford T também ajudou a fazer do volante do lado esquerdo o padrão.
Essa versão 1925 era cheia de acessórios: dá para acreditar que até o farol era acessório? Assim como para-choques, limpadores de pés, estribos laterais. Um carro que por 12 anos, de 1913 até 1925, só foi feito na cor preta, para agilizar a produção, afinal quanto mais Ford T nas ruas, melhor era. Diz a lenda que Henry Ford dizia ao interessado: “O carro é disponível em qualquer cor, contanto que seja preto”.
A história do Ford T é cheia de curiosidades. Um dos primeiros proprietários foi Thomas Edison, o inventor da lâmpada.
Sua linha de produção, invenção de Henry Ford, mudou a indústria ao conseguir a proeza nos anos 20 de fazer um T por minuto. Isso mesmo!!! Incrível! Permitiu, assim, a abertura de fábricas em diferentes países. Em 1919 foi quando a Ford deu início a sua fabricação em São Paulo, como o T se tornando o primeiro carro brasileiro.
Tem ele no cinema em “O Gordo e o Magro” e até em “O Curioso Caso de Benjamin Button”, de 2008. E claro que teve vez na telinha. Esse mesmo carro de Burche foi usado na novela “Éramos Seis”, entre 2019 e 2020. Também já levou muitas noivas e noivos ao altar…
O mesmo carro que já brilhou com premiação no Encontro de Águas de Lindoia, o mais famoso do Brasil e que já reuniu 1.200 veículos.
Essa nossa viagem a 1925 despertou curiosidades… como Artur Bernardes ser o presidente da República naquele ano, ele que em 1924 mandou bombardear a cidade de São Paulo por conta da Revolta Paulista. A moeda era o réis, tinha até de 400 réis. Pela primeira vez foi feriado no país, sim o Primeiro de Maio, aquele do pick-nick. Alcapone dominava Chicago e espalhava o terror por todos os Estados Unidos.
Foi quando nasceu o jornal “O Globo” e Henry Ford era notícia na primeira edição. 1925 foi quando Miró pintou o quadro “O Carnaval do Arlequim”, ano que a General Motors passou a fazer carros aqui e quando aconteceu a primeira Corrida de São Silvestre, uma corrida eterna. E nas rádios o que todo o Brasil ouvia era “Chuá, Chuá”.
Pois este é o grande Ford T de 1925 de José Burche, um carro fabricado no mesmo ano que o astrônomo Edwin Hubble descobriu galáxias fora da Via Láctea. Um carro que mereceu o voto de 126 jornalistas internacionais especializados, em eleição de 1999, que o consagrou como o Carro do Século 20.
Burche também tem outros carros, como Fusca, caminhonetes e até um trator. Sua coleção já dá para formar um museu que Jundiaí não tem.
Nas duas rodas, a vedete da turma de dez motos é uma NSU alemã. Ela é de 1952, modelo Konsul 1 – 350. Não há outra igual no Brasil. A restauração beira a perfeição, com seus muitos cromados.