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 Trocou uma pandemia por uma guerra
6 de agosto de 2020

Trocou uma pandemia por uma guerra

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Antes de entrar no assunto, acho bom esclarecer que os meus tios do primeiro casamento de meu avô Manoel José Gomes, com Dona Constância de Sousa Aranha, assinavam Gomes de Sousa, enquanto os filhos do segundo casamento, com minha avó Olympia da Costa Guimarães, assinavam Gomes de Soutello, porque o Rei Dom Carlos I teve a gentileza de pregar no meu avô o título de Visconde de Soutello. Daí as duas ninhadas usarem sobrenome diferente.

Então, vamos lá. Quando meu tio Carlos Gomes de Sousa manifestou o desejo de estudar medicina, meu avô proibiu terminantemente que ele fosse estudar no Rio de Janeiro.

O velho Manoel José considerava perigoso estudar no Rio de Janeiro, e tinha seus motivos para isso. Quando veio de Portugal, em 1856, veio para trabalhar com o irmão mais velho, José, comerciante estabelecido no Rio de Janeiro, na antiga Rua das Violas (que hoje tem o nome sem graça de Rua Teófilo Otoni). Chegando ao Rio de Janeiro em 21.2.1856, encontrou o irmão José já doente da febre amarela que o matou dias depois.

Para mim isso foi uma coisa boa, porque se meu avô tivesse ficado no Rio de Janeiro eu não existiria. Mas para o meu avô foi uma perda doída. Ele tinha, portanto, razões pessoais para considerar o Rio de Janeiro uma cidade perigosa para a saúde.

E o Rio de Janeiro era mesmo uma cidade insalubre. A febre amarela se instalou por lá em 1849, quando o primeiro caso de que se tem notícia foi registrado pelo médico alemão Robert Christian Barthold Lallemant. Entre 1849 e 1902, essa doença matou no Rio cerca de sessenta mil pessoas.

De 1891 até 1960, o Rio de Janeiro foi o Distrito Federal, subordinado à Presidência da República, por isso foi o Presidente Rodrigues Alves quem, em 1903, incumbiu o jovem médico Oswaldo Gonçalves Cruz, nascido em 1872, em São Luís do Paraitinga, de sanear aquela cidade. Em 1903, Oswaldo Cruz criou o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, e o número de óbitos por essa doença decresceu rapidamente: de 564 em 1904 caiu para 39 em 1907 e para 4 em 1908.

Mas o sucesso de Oswaldo Cruz ainda era muito recente quando meu tio Carlos manifestou o desejo de estudar medicina. Proibido pelo pai de estudar no Rio de Janeiro, ele fez uma parte do curso na Faculdade de Medicina da Bahia e outra parte na Faculdade de Medicina de Bruxelas.

Não me lembro com certeza se começou na Bahia e terminou em Bruxelas ou vice-versa, e as pessoas que poderiam me tirar essa dúvida já morreram há muitos anos. Parece mais provável que tenha terminado o curso na Bélgica, porque em 1912 ele casou, ainda estudante, com Dona Sebastiana de Araújo Cintra (os dois na foto ao alto), e meu primo Rubens nasceu em Bruxelas, em 1913.

Seja como for, o tio Carlos estava na Bélgica em 3.8.1914, quando começou a Grande Guerra, e foi trabalhar, já como médico residente ou ainda como estudante de medicina, remendando soldados em um hospital militar improvisado no front de batalha.

Nenhum perigo por lá a não ser, é claro, os obuses Skoda de 305mm da artilharia alemã (foto abaixo), capazes de perfurar dois metros de concreto reforçado, e que em agosto de 1914 pulverizaram as fortificações belgas de Liège, Namur e Anvers (cf. Barbara Tuchman, “The guns of August”, New York, Macmilan, 1962).

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é advogado e escritor

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