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Jundiaqui

 MINUTO DE SILÊNCIO: Dona Nina, pioneira como guia de turismo, ajudou a criar a Festa Portuguesa
13 de abril de 2020

MINUTO DE SILÊNCIO: Dona Nina, pioneira como guia de turismo, ajudou a criar a Festa Portuguesa

Ela cantou na TV junto com o Pio X no “Cidade contra Cidade”, foi figurante de novela e expôs presépio por mais de 40 anos

IDALINA PERIOTTO CERIONI, a Nina (*12.5.1923 / +12.4.2020)

Quis ser no domingo de Páscoa, que tanto amava, a despedida de dona Nina Cerioni. Aos 96 anos, partiu exato um mês antes do aniversário, outra data marcante para ela por reunir toda a família – até porque em muitos anos combinava com o Dia das Mães.

Dona Nina era uma festeira por natureza. Um exemplo foi ter ajudado a criar a Festa Portuguesa, da qual foi a “velhinha-propaganda” por mais de duas décadas, tendo recepcionado até o governador Geraldo Alckmin, que pediu uma foto a seu lado em 2012. Começou vendendo doces portugueses na saída da missa das 19h, vestiu-se a caráter com as cores verde e vermelha e alegrou a vida de milhares com os pastéis de Santa Clara.

Outra festa lembrada em um dos mais de mil comentários sobre sua morte no Facebook neste domingo (12) era a junina, que comandou por muito tempo nas ruas de sua Vila Argos Velha. No adeus, as vizinhas de convívio em mais de sessenta anos se reuniram diante de sua porta para rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria. Unidas na fé e na esperança, mas uma distante da outra por conta da sombra da Covid-19, que limitou o velório no Centro a uma hora de duração e só 10 pessoas presentes.

Não foi mais uma vítima do coronavírus, mas sim descansou de uma luta de cento e cinquenta dias. Foi entre outubro e novembro que a saúde a traiu. Foram três internações, duas vezes na UTI nas últimas semanas, quando os familiares chegaram a se despedir dela. Mas a ‘Higlander’, como era apelidada, seguiu brigando, não queria ir embora. Morreu em casa, dormindo, carinha serena.

Mas não se engane com a aparência, porque a baixinha que trocou o cabelo ruivo pelo prateado ao longo dos anos, aprontou uma última, pelo menos seus filhos, netos e bisneto assim acreditaram. É que por volta de 14h40 (o velório foi com hora marcada entre 14 e 15h), a tampa que estava ao lado do caixão caiu sem que ninguém a tocasse. Foi um tremendo baque, barulho que atraiu os funcionários do velório e que fez a peça de madeira se arrebentar. Outra teve que ser arrumada às pressas. “Foi o toque final”, brincou o filho José Angelo.

“Ela sempre foi cercada de amigos. Só faltaram os abraços por conta dessa pandemia que não permitiu o carinho de todos na hora da despedida”, reconheceu a filha Anita.

A Páscoa era momento especial por toda a sua religiosidade e também por marcar anualmente o fim de um ciclo, então o almoço de domingo da ressurreição de Cristo tinha dupla celebração. É que dona Nina comercializou durante anos seguidos ovos de chocolate, isso antes de se tornarem tão populares nos supermercados. Começou junto com o marido, seu Oswaldo, colocando centenas deles todos os anos no mercado, com entregas por toda parte até o Sábado de Aleluia.

Além das vendas da Páscoa, manteve uma lojinha de brinquedos e presentes dentro de casa entre os anos 70 e 90, o que ajudou a criar e formar os filhos – seu marido morreu logo depois da aposentadoria na Argos, em 1978. Por sinal, nem a falência da Argos Industrial S.A. lhe derrubou em 1984, apesar de a maioria das clientes trabalhar ali – parte sequer honrou o pagamento de suas contas anotadas em caderneta.

Foi então que aumentou o número de viagens como guia de turismo, algo que fazia desde que a São João Turismo, rebatizada Sajotur, iniciou as excursões no começo dos anos 70, o que a tornou uma das pioneiras nesta profissão na cidade.

Conheceu o Brasil todo, tipo indo pelo menos cem vezes ao Rio de Janeiro acompanhando passageiros da Sajotur, outras dezenas de vezes para Foz do Iguaçu e assim por diante. Viajou boa parte também da América do Sul e da Europa. Uma experiência marcante foi andar de camelo entre pirâmides no Egito. Outra foi atirar bolas de neve nos Alpes suíços. Passou uma temporada na Itália, revisitando lugares que seus pais nasceram, e outra em Portugal, para entender um pouco mais do povo que se tornara para muita gente representante aqui na cidade.

Antes dos passeios de ônibus e avião, era o trem que a levava para longe. Promoveu excursões pelos trilhos da Santos-Jundiaí na virada dos anos 60 para 70. Tinha orgulho em ser quem possibilitou a muitos jundiaienses conhecerem o mar. Cobrava um certo valor pelos bilhetes do trem e mais comida e bebida na praia. “Era aquela farofa maravilhosa”, diverte-se o vizinho Gilberto Marques.

Teve um piano na sala de sua casa quase que a vida toda, mas seu gosto mesmo era o de cantar. Participou dos corais Pio X, Santa Cecília, Sertanejo e do Criju. Adorava lembrar – guardava com carinho um recorte amarelado de jornal em que aparecia em foto junto com os também saudosos Wanda Quartarolli, Mario Luís Borin e a irmã Luciola Periotto Picchi defendendo Jundiaí na televisão. Foi no “Cidade contra Cidade”, de Sílvio Santos, com o Pio X de Mario Comandulli. Cantou inúmeras vezes no Polytheama, inclusive quando das ruínas em espetáculo para ajudar na restauração do teatro. Não se conformava em ver a Sala Glória Rocha, nome de uma artista que foi sua amiga de juventude, fechada todos esses últimos anos.

Na TV foi ainda figurante da novela “Esmeralda” do SBT – ganhou um zoom ao jogar com cara de choro uma rosa em um túmulo no mesmo cemitério em que seu corpo foi sepultado, o agora silencioso e de visitação proibida Nossa Senhora do Desterro.

Idalina, mesmo nome da mãe, teve ligação com as artes desde muito pequena. Até bem pouco tempo, declamava uma poesia escrita especialmente para ela por Deodato Pestana, famoso pianista e maestro (dirigiu o Conservatório Musical de Jundiaí) que foi amigo de seu pai. O pai Angelino tinha uma companhia mambembe de arte e lhe dava um tostão para subir ao palco e se apresentar. Pegou gosto de ganhar seu dinheiro, o que seguiu fazendo com sua lojinha, com costura para fora e nas excursões.

Dona Nina foi pioneira ainda na Exposição de Presépios de Jundiaí. Começou em 1978 e nunca parou, a exemplo de um único outro na cidade, Laércio Teto. Sempre mostrando trabalhos criados em cima de fantoches trazidos da Europa por seus pais – são cabeças de madeira em roupas coloridas e alegres.

No Criju, o centro para idoso, além de cantar também fazia literatura e teatro até 2018, quando sofreu um assalto em casa e reagiu, atacando o ladrão. Este lhe tirou a visão de um dos lindos olhos azuis, comparados aos de gatos que sempre gostou de ter a seu redor. Mas nem assim chorou. Também não chorou sequer quando quebrou o fêmur. Quem a conheceu de longa data dizia que derramou todas as lágrimas na morte da primeira filha, Marcinha, ainda bebê.

Perder parte da visão lhe tirou um prazer que era o de fotografar as pessoas, especialmente as que iam em seus passeios, e depois lhe enviar o retrato ampliado. “De quem será que puxei para gostar tanto de fotos?”, pergunta em tom de brincadeira o filho Edu Cerioni. Adorava rabiscar tudo, não podia ter uma caneta na mão que logo atacava a agenda telefônica, o livro de receitas, as cruzadinhas, com desenhos, fios e comentários.

Outra coisa que lhe atraia muito era o Carnaval, tanto que foi foliã da Escola de Samba Eldorado, saindo na Ala das Baianas, sendo que depois descobriu o prazer de sair às ruas no meio do Refogado do Sandi.

Remédio foi algo que apareceu só no final de vida de dona Nina, que gostava de tomar seu “uisquinho”, como chamava. Gostava de vinho, mas o trocava fácil por seu velho e bom destilado de malte.

Dizia que seu único arrependimento “nessa vida” – acreditava em outra vida – era nunca ter aprendido a dirigir, porque odiava ter que depender do favor dos outros para ir pra cima e pra baixo. Sempre contava a história do dia em que foi a pé para Pirapora do Bom Jesus e derrubou os lanches da turma em uma poça d’água.

O que ela pilotava bem era o fogão e a máquina de costura. A italianinha turrona, que sempre sabia o que queria, foi excelente cozinheira. Seu tordelli (criou uma receita própria em cima do tortelli) ficou famoso entre amigos dos filhos. Costurava muito, horas seguidas até a madrugada, tendo feito muita fantasia de Carnaval e também roupas, inclusive de santos para as procissões da Vila Arens. Frequentou a Catedral de Nossa Senhora da Conceição a vida toda e até aparece em suas paredes, em pintura.

Tem uma árvore plantada na praça Erazê Martinho, ao lado da Ponte Torta, homenagem que recebeu de Jundiaí.

Veja mais fotos:   Ela gostava de declamar uma poesia assim, como lembrou Julia Heimann: “Não dou-te a rosa das faces / nem as que trago na mão / daria, se me estimasses / a rosa do coração!”

 

 

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