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Jundiaqui

 Quando nos tornamos apenas um retrato
1 de outubro de 2021

Quando nos tornamos apenas um retrato

Por Wagner Ligabó

( crônica de homenagem póstuma à querida amiga Odila)

Este ano completo quarenta e cinco anos dedicados à medicina. Já vi e vivenciei de tudo e mais um pouco nesta profissão, um sacerdócio que tem sua relação diretamente ligada ao binômio vida e morte.

Confesso que nele não existe prêmio maior que a cura e tristeza maior que a morte. Já o administrar do equilíbrio entre razão e emoção vai de cada um.

Eu sempre sofri por ser muito mais emotivo que arrazoado. Perder um paciente sempre me custou muito, em especial, aqueles tão queridos que, após tratarmos por décadas seguidas, tornam-se tão queridos como se membros da família fossem. E eles sabem disso!

Tenho um sem número deles, todos amealhados ao longo de uma vida de dedicação, confiança e cumplicidade, um prêmio à minha carreira. Me conforta ouvir: “Doutor, estou me sentindo muito bem!”. Ganho o dia! Entretanto quando algum deles falece o fato me cala fundo. Perco o chão. Desaba minha carranca protetora. Torno-me apenas mais um comum a lamuriar a tristeza.

Minha mãe era minha principal paciente. Tudo por ela. Morreu em novembro último nos braços de meu filho médico e de minha mulher, nora tão querida. Eu, sem ação, estático, assisti sua partida da porta de seu quarto. Não tive coragem de acreditar que aquele momento trágico estava ocorrendo. Cena inesquecível de inconformismo.

Até hoje não me recuperei da perda e agora qualquer outra que ocorra com gente querida parece me tirar mais um pedaço de minha alma tão dorida, e padeço. Sinceramente, padeço. O passar dos anos empalideceu minha alegria e amedronta meu amanhã.

Dias atrás, de súbito, recebi a ligação do meu prezado amigo Dr. Sidnei, comunicando que sua irmã, a querida e doce Odila, havia falecido. Um baque. Uma extrema consternação tomou conta de mim, lágrimas furtivas rolaram pela face e lembrei dos momentos desafiadores e tão felizes que nossa relação de médico-paciente vivenciou.

Foi como se um filme passasse rapidamente em meu cérebro. Foram três cirurgias cardíacas ao longo de quase trinta anos juntos. Ela sempre feliz e de alto astral, enaltecendo o orgulho de sua linda família. Cada vez que nos encontrávamos era um enorme prazer de usufruir e celebrar amizade tão sincera.

Sua confiança plena em minhas decisões me orgulhava, mas, ultimamente, pelo agravar da doença, a via escapar por entre meus dedos sem recurso efetivo para poder tratá-la. Me cortava o coração a situação, porém sempre ficava minha forte mensagem de otimismo, fato que a alentava a seguir em frente.

A minha amiga, sua simpatia e vivacidade, teve seu fim aos 74 anos de vida. A Odila morreu e com ela morre um pouco de mim. Agora só resta a grata recordação de seu doce sorriso em um porta-retrato, nosso mesmo destino num dia desses qualquer.

Vida leve; vida breve…

Wagner Ligabó é médico cardiologista

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