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Jundiaqui

 O Menino e o Rio – por Pedro Maria (81 anos)
9 de agosto de 2022

O Menino e o Rio – por Pedro Maria (81 anos)

Quando tinha seis anos, viemos de São Paulo para Jundiaí, eu e minha família, meu pai, minha mãe e mais dois irmãos com pouca diferença de idade.

Para nós crianças, tudo era novidade, parecia que estávamos conhecendo um país estranho, cheio de mistérios e fantasias.

Conhecemos pela primeira vez montanhas, morros e colinas, matas fechadas, lagos, ferrovias com suas marias-fumaças, que eram barulhentas e, puxavam vagões cheios de passageiros ou cargas.

No meio de todo esse mistério, eu conheci o Rio.

Meu pai sempre nos alertava sobre o perigo que o rio representava, ele sempre dizia: “tomem cuidado com o rio, vocês podem se afogar, fiquem longe dele, ele é traiçoeiro”.

Isso despertou ainda mais a minha curiosidade, eu queria conhecer o Rio.

Aos poucos fui me aproximando dele, quando cheguei perto, o terror que sentia era tão grande, que não percebi a serenidade de suas águas, o murmúrio que elas faziam, parecia que queriam conversar.

Tomado pelo medo voltei correndo, com  a consciência me acusando de algo errado que acabara de fazer, eu tinha ido ver o Rio.

Passaram mais alguns dias e, resolvi visitar o Rio novamente, pois o fascínio que eu sentia por ele, era enorme.

Cheguei devagar, olhei para suas águas, e ainda assustado sentei-me a sua margem.

As águas passaram rodopiando, pareciam que dançavam em ritmo suave.

E o Rio através de suas águas sussurrava: – Menino não tenha medo de mim, não sou a morte, eu sou a vida.

Aos poucos fui perdendo o medo do Rio e, nosso relacionamento aumentou, e minhas idas ao Rio também aumentaram, ele já fazia parte da minha vida.

Logo aprendi a nadar e a atração que sentia pelo pequeno Rio ficou maior, porque eu já fazia parte do Rio, era como se fosse um habitante de suas águas.

O tempo foi passando, fui crescendo, a cidade também, as industrias foram chegando, e as águas do rio continuaram passando.

Um domingo de manhã, fui visitar o Rio e para meu espanto, ao chegar vi suas margens cheias de peixes mortos ou agonizando.

Entre os peixes haviam bagres, mandis, lambaris, tabaranas, cascudos, todos peixes de água limpa.

As duas margens do Rio estavam forradas de peixes mortos.

Sentei em sua margem e fiquei olhando e pensando, o que será que está acontecendo.

O Rio com suas águas agora triste e chorosas parecia querer me dizer: – Menino eu estou morrendo, o homem está me matando, veja os meus peixes estão todos mortos, minhas águas sempre cheia de vida, agora está envenenada, carregando a morte por onde passa.

E foi realmente isso que aconteceu, as descargas de resíduos tóxicos aumentaram e todos os peixes morreram.

Agora suas águas estão completamente poluídas, o meu pequeno Rio morreu, não tem mais vida.

 

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9 thoughts on “O Menino e o Rio – por Pedro Maria (81 anos)

Otávio Daniel Neves Mariasays:

O mais doído na vida é perder aquilo que amamos, ainda mais quando o vemos sofrer antes dessa perda.
Quando li essa história pela primeira vez, na presença do autor, eu pude sentir a emoção transformada em palavras.
Não se trata apenas de um conto, mas de uma história de vida, uma experiência amarga, presenciada por um garoto que se sentiu impotente diante da ganância humana; mas, tudo pelo progresso, pela “evolução”.
Quem me dera termos consciência do que fazemos contra aqueles que não podem reclamar, assim como o rio.

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Valdemar D Sousasays:

O MENINO e o RIO traduz mais do que a sensibilidade do Pedro menino, mas apresenta a importância e a POTÊNCIA da MEMÓRIA em nossas vidas. Talvez só iremos conseguir preservar a NATUREZA se um dia compreendermos que ela é feita de histórias e memórias. Parabéns PEDRO MARIA e a Equipe do JundiAqui (Edu Cerioni) por promover o resgate da HISTÓRIA e da MEMÓRIA de nossa querida Jundiaí.

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Que linda e verdadeira história. Felizmente ele menino (Pedro Maria)conseguiu ver e apreciar o rio de água limpa e cheio de vida. Hoje esse mesmo rio nos dá medo. Parabéns Sr. Pedro Maria por trazer essa história.

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Gustavo Rabello de Almeidasays:

Parabéns pelo texto, sr Pedro. Cheio de emoções e lembranças deliciosas, que tocaram os corações de minha mãe Nilse e minha tia Maria Helena, as duas irmãs, que se identificaram em suas palavras, pois vivenciaram exatamente, no mesmo período e época, a situação descrita. O Rio Jundiaí, cheio de curvas e belezas naturais, foi refém da urbanização desenfreada e rude. Porém, ainda vive na memória de pessoas sensíveis como vocês. Um abraço!

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Jacqueline de Toledo Lagesays:

Parabéns ao Sr Pedro por esse relato maravilhoso de sua relação com o Rio Jundiaí quando menino. O Sr deveria aproveitar essa verve literária para escrever mais sobre suas ricas memórias.

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Uma história verdadeira e muito bonita, mas com um final triste e amargo, pois o homem não se preocupa com o que Deus nos deixou e por ganância destrói tudo. Me considero feliz por ter vivenciado essa geração. Parabéns, Pedro maria! Gostaria de ver mais história iguais a essa…

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Francisco - crijunsays:

Seu texto me fez recordar meus tempos de menino, quando ia jogar bola no campo de futebol da Agapeama, onde tínhamos que atravessar a linha do trem para chegarmos ao campo do Independente. Depois da pelada, íamos nadar no rio Jundiaí que infelizmente já não era tão limpo como o Sr. descreve, mas ainda tinha alguns peixes. Seu texto foi bom para eu relembrar o passado da minha infância e juventude.

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Cida Britosays:

Lindo! Pedro: o rio foi tão importante na sua vida que, aos 81 anos, está gravado em suas memórias. Hoje ele continua agonizando, quem sabe surja alguém que ame a natureza e saiba o valor dela em nossas vidas e ajude para que ele possa cuidar dos peixes e viver outras histórias mais felizes.

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Maria da Luzsays:

Parabéns Pedro por compartilhar sua história conosco. Foi muito legal conhecer uma parte de sua história!!!!

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