LOADING...

Jundiaqui

 Tempus fugit
17 de março de 2020

Tempus fugit

Por Cláudia Bergamasco

As notícias relacionadas ao coronavírus no mundo mudam a uma velocidade impressionante. Não dá para escrever sobre o assunto com dados fechados. Tudo se transforma em questão de hora, minutos até. Até bem pouco tempo eu fazia parte da turma que ia em direção oposta à manada. Imagina, você está sugestionado, nada vai acontecer comigo, com você ou nossos familiares e amigos.

Hoje (ou agora, ou ontem), ainda estou tentando digerir as montanhas de informações desse descontrole mundial. O vírus assusta e colocou o mundo de joelhos. Saúde, economia, educação, comércio, indústria, serviços, a nossa casa. Fazer o quê? Neste momento estamos todos em confinamento – compulsório ou não.

Contam-se mortos, infectados e suspeitos de carregarem o vírus aos milhares. Comércio exterior comprometido, fronteiras fechadas, empresas colapsadas ou à beira de. Comércio, teatros, museus, igrejas, escolas e universidades públicas e privadas fechadas. Mercados financeiros de cabeça pra baixo, compromissos adiados e por aí vai. Medidas extremas, mas necessárias. Essa é uma crise que começou como uma crise de saúde, passou para saúde e economia e hoje é uma crise sem precedentes de saúde, economia e política.

Daí o título deste texto: tempus fugit, uma expressão latina que significa “O tempo foge”, mas que é normalmente traduzida como “O tempo voa”. Acho que é bem pertinente ao que estamos vivendo. Foi usada pela primeira vez nas Geórgicas do poeta romano Virgílio: Sed fugit interea fugit irreparabile tempus (“Mas ele foge: irreversivelmente o tempo foge”). Ouso acrescentar: e jamais volta.

Confinamento, suspeitas, exames, restrições mil. Não importa. Quando se trata de saúde, e neste caso, saúde de mais de bilhões de pessoas, é melhor ficar quietinho em casa e seguir as recomendações das autoridades. Embora muita gente, eu sei, não quer nem saber dessa pandemia. Acha uma invenção ou coisa mandada por Deus (coitado do cara lá de cima) para acabar com excessos de todos os tipos que os humanos cometem. Besteirada. Conspiranóia.

Bem, ainda assim, temos um presidente que chamou a crise de “histeria” e dois dias depois mudou de opinião e decretou estado de calamidade pública. Creio que não haverá controle para a roubalheira anunciada do dinheiro público que deverá (ou deveria) ser usado para o combate ao alastramento do vírus – mas isso é opinião minha.

Trabalhar de casa já não é um luxo para quem pode – embora muitas profissões exijam a presença física –, é uma obrigação cívica. Uma proteção para mim, para você e para todos os seres humanos. No entanto, essa necessidade também encerra riscos. Muita internet, telefone, fake news, falatório e palavrório desnecessários. Reconheço que nenhuma formação, lei, autoridade ou punição pode mudar um mal caráter ou uma estrutura psíquica agressiva ou uma tendência doentia em destruir vidas alheias apenas com atitudes e palavras. Mas é possível reduzir a mortandade maligna que se dissemina pela Web com educação. Não só a de berço, mas a que aprendemos na escola e na vida. Cabe a cada um de nós agir, reagir e, se for preciso, brigar para manter intacta a nossa integridade.

Não acho que problemas devam ser ignorados, mas revistos e questionados: com quais deles devo realmente me preocupar? Quais deles tomam atenção demais sem fazer sentido algum? Quais posso de fato resolver e quais de fato posso esquecer para que não mais me sufoque, roube minha luz e minhas energias? Faça a sua triagem.

Graves ou não, tudo é uma questão de ponto de vista – o seu. Pestes, vírus fatais, gripes (suína, bovina, macaquina, negra, espanhola, chinesa, americana, brasileira, o escambau) sempre existirão. Difícil mesmo é combater a desinformação, a doença do “não tô nem aí“. Isso nos torna menor que o homem das cavernas, banguelas e de bengalas, a chibata do outro.

Nesses tempos em que a tecnologia é inevitável, é mais fácil ainda conhecer corrupção, omissão, logro, malogro, frivolidades, violência, competição desleal, difamação, sujeira. Há os que se escondem por trás da máscara repulsiva do anonimato para cometer atrocidades como invasão de privacidade cibernética com a certeza de que permanecerão impunes. A esses lhes faltam colhões, escondem suas inseguranças com vaidades predadoras. Eles bebem nosso sangue, dilaceram e devoram nossa carne, nossos intestinos, sabem perfeitamente bem como ferir, massacrar, aniquilar, destruir quem não se enquadra nos seus parâmetros. É lógico que isso nos desestabiliza.

Sou exemplo vivo dessa triste situação. Contraí não o coronavírus (ainda não, tomara que nunca) mas um mal talvez tão ou mais difícil de curar: a TPT, sigla para Transtorno Pós Traumático, o que significa males não diagnosticados, mas presentes dia-a-dia e que são extremamente nocivos. Não vou entrar em detalhes, só vou dizer que é minha segunda vez de TPT prolongada na vida. Mais do mesmo duas vezes. Não vivo, sobrevivo. Ou, desta vez, vegeto. O que é de fato pior do que contrair Covid 19. Certamente é.

Nesse mundo virado do avesso, nos sentimos sujos, constipados, cansados, exaustos, tristes, solitários. Ou solidários. Mesmo que você não seja uma pessoa muito otimista, agora é a hora de mudar. Esse vírus nos trouxe preocupações em demasia, dramaticidade em demasia, estresse em demasia, incertezas em demasia, inseguranças em demasia, sofrimentos, inquietações e sensações desconhecidas. É impossível deixar de aprender algo bom com tudo isso. Ao menos aposente seu olhar de esfinge e pense um pouco no coletivo. Mais amor e menos histeria. Faça sua parte. O horror da Natureza nos emociona e ensina que devemos aumentar a capacidade de prestar atenção ao que o caos planetário está nos mostrando. Afinal, não há nada mais cansativo que a exasperação.

Cláudia Bergamasco é jornalista e escritora

Prev Post

Coronavírus e o nosso SUS…

Next Post

O outro lado da quarentena

post-bars

Leave a Comment