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Jundiaqui

 Margarita, Mar e Martelli
1 de dezembro de 2021

Margarita, Mar e Martelli

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

A charmosa pousada Canto do Camburi agora pertence a um filho do atual proprietário da confeitaria Pão d’Oro, razão pela qual o pão de queijo e o croissant servidos no café da manhã são enviados de Jundiaí. Maria Helena e eu acordamos com fome e nos entupimos de croissant com manteiga e mel.

Nosso plano para a noite era jantar “camarão kosher” no Antigas. É óbvio que o verdadeiro nome do prato não é esse, camarão não é permitido na cozinha kosher. Fui eu quem pôs esse apelido no prato, porque os ingredientes básicos são camarão acompanhado de varenique, uma espécie de ravioli ucraniano que foi assimilado pela cozinha asquenaze com o nome ídiche kreplach.

O “camarão kosher” foi criado pela Denise, dona do Antigas, em parceria com um amigo judeu. Mas varenique é originalmente um prato ucraniano (varényk, no plural varényky), muito popular na Rússia também. Em Moscou, Maria Helena e eu almoçamos em um restaurante de cujo nome não me lembro, localizado na rua Tverskaya, ao lado do empório Ieliseyewsky, restaurante esse que só serve varenique, com umas trinta ou mais variedades de recheio. E posso dizer, sem bairrismo, que o varenique feito em Jundiaí pelo Cláudio Schiavi é melhor do que o oferecido por aquele restaurante especializado de Moscou.

Depois dos croissants matinais e tendo esse plano para o jantar, era preciso almoçar alguma coisa leve, para não abusar do estômago. Infelizmente, não existe mais o café-confeitaria da Aline Ditt, que durante algum tempo foi a melhor opção da Praia de Camburi para uma refeição leve. Agora que a Aline, de família bem conhecida em Jundiaí, não é mais uma opção, decidimos substituir o almoço por uns beliscos no bar do deck da piscina da pousada. E, para regar os beliscos, eu pedi margarita.

Meu copo de margarita ainda estava quase cheio quando pedi mais gelo moído. O barman do Canto do Camburi, muito atencioso, perguntou:

– Não está do seu agrado, doutor?

– Está, mas um pouco forte. Ponha mais gelo moído.

– Eu segui a nossa receita, doutor. Um limão espremido, duas doses de tequila e uma dose de cointreau.

– Ah… Isso explica. Mais gelo, por favor.

Depois daquela dose reforçada, fui oxigenar o sistema fazendo uma caminhada pela praia, respirando fundo, sem máscara. Percorri Camburi de ponta a ponta, ida e volta, beirando a marola e deixando pegadas fundas na areia molhada.

Nas vezes anteriores em que estive em Camburi, nunca vi o mar tão bravo. Grandes ondas formavam-se lá longe e vinham se esbofeteando e arremessando muita espuma para o ar até arrebentarem novamente mais perto e uma terceira vez já quase na marola. A cor da água e a abundância de espuma muito branca me trouxeram à mente uma frase de José de Alencar: “verdes mares bravios de minha terra natal” etc.

O Padre João Manoel, meu tio-bisavô, quando jovem, conheceu o velho Alencar no Rio de Janeiro, onde ambos atuavam na política e na imprensa. Em seu livro “Reminiscências” (1894), no qual fala mal de quase todos os políticos de sua época, o Padre João Manoel fala bem do José de Alencar. Preciso reler essa passagem quando voltar para Jundiaí.

Isso me lembrou de que, quando voltar, também preciso escrever alguma coisa a respeito do livro “Afrodite”, recém lançado pelo poeta jundiaiense Márcio Martelli. Depois do falecido Aristóteles, ninguém mais disse nada de muito original, mas a busca pela originalidade possível é uma constante entre escritores e outros artistas.

O mínimo de originalidade que eu vinha buscando há dias era dizer alguma coisa que já não tenha sido dita nos prefácios à Afrodite de Martelli escritos por Susana Ferretti e por Rosalie Gallo. No exato momento em que me lembrei disso, a marola de apenas dois ou três centímetros bateu com tanta força no meu calcanhar que respingou na bermuda. Então, olhando mais uma vez para aquela festa de espuma que era hoje o verde mar bravio de Camburi, encontrei a abordagem que vinha procurando. A capa do livro do Márcio reproduz uma pintura de Sandro Botticelli que retrata Afrodite, nascida da espuma do mar fertilizada pelo esperma de Urano. E me veio a ideia de escrever a respeito do pictórico nos poemas de Márcio Martelli. Não vai ser fácil, porque os poemas do Márcio falam em coisas abstratas, em estados de espírito. Um tema frequente é a solidão e o medo da solidão. Só mesmo a receita de margarita do Canto do Camburi para encorajar alguém a buscar algo de pictórico nesses poemas.

Camburi, 25.11.2021.

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