LOADING...

Jundiaqui

 Pão da leitura
1 de junho de 2017

Pão da leitura

André Kondo traz ao JundiAqui sua crônica premiada e que é inédita na internet

O livro está lá, há tanto tempo, em espera. Uma vida de pó e silêncio. O que diria a estante, ao testemunhar a insônia das madrugadas? Não haveria ali, entre os nós da madeira, alguma história capaz de botar nossa criança de dentro para dormir, tranquila entre os anjos? E não diga que os anjos não existem, pois nas páginas dos livros eles existem sim.

Não acredita? Mas se você escuta o relógio, por que não ouve o seu livro?

O relógio diz que não há tempo para qualquer leitura. Mas não, o tempo verdadeiro não é aquele dos ponteiros. Não ouça o tiquetaquear das horas falsas, a cobrar compromissos inadiáveis. Há mais realidade no tempo eterno e no infinito espaço de um único livro de ficção, do que em todas as páginas dos jornais do mundo, que gritam guerra, crise e tristeza.

Sim, a mesa precisa ser posta, mas permita-se algumas horas de ficção para viver a realidade com mais esperança. A alma também tem fome.

Se eu soubesse antes que os livros têm vida, teria eu encontrado neles a história que faltava em minha própria vida? E por que não agora? Afinal, o que é a vida se não uma sucessão de encontros, alguns aleatórios, outros ditados pelo destino?

Sim, há também desencontros… Tantos livros bons, mais que bons, que poderiam mudar nossas vidas, mas que nunca serão lidos. Mas não fique triste, cada desencontro nos leva a um encontro. Como se estivéssemos em uma imensa biblioteca ainda não catalogada… E você sabia, caro leitor, que é você o bibliotecário de sua própria vida?

Quando encontramos o livro certo naquela hora incerta, não estaríamos encontrando outra vida para tornar a nossa vida mais vida?

Permita-se esse encontro. Sinta o livro! As palavras brotam em um vasto campo, com suas espigas ao sol, douradas. Elas aguardam apenas o passar de seus olhos ou dedos por entre suas folhas, já secas, colhendo o trigo das letras. E no moinho do pensamento, cada silábico grão se transformaria em uma fina e nutritiva farinha, que correria macia entre os dedos e a calma das horas plenas. E mais o calor das palavras, e o fermento literário e o juntar da água e o sal das lágrimas do leitor fariam com que a massa crescesse no peito.

Ah! Estaria assim, pronto, o pão da leitura, que a alma alimenta.

André Kondo é escritor. Crônica premiada com o Troféu José Hilário – Prêmio Cidade de Maringá, da Academia de Letras de Maringá

Prev Post

Quando o “normal” é uma…

Next Post

Um olhar à noite para…

post-bars

Leave a Comment