Retrato
Por Cláudia Bergamasco
A menina e sua mãe em uma fotografia estão juntas para sempre num porta-retratos.
Na mesa onde eu trabalho, na minha casa, conversam sobre o que há no mundo, no futuro, como entender as coisas que acontecem com a gente ao longo da vida e porque acontecem de tal e qual forma.
Falam de solidão, de fragilidades, de traições, de mentiras e de verdades.
De Deus, de retidão e de desatinos. Desassossegos e encantamentos. Brilhos e sustos.
As duas falam muito, uma mais que a outra. A mãe, devota, pede aos Santos que, um dia, a menina mude, fique mais serena, mais parecia com ela.
Mas ela sabe que a filha nunca vai mudar.
Só o seu corpo vai mudar, ficar empergaminhado, rosto bordado pelo tempo e mãos pintadas.
Vai ficar sábia também. Ou pelo menos assim a mãe da menina espera.
Para não pensar sobre essas coisas, eu, que sou a menina, abaixei o porta-retratos.
Na sua essência, essa menina do porta-retratos, que a mãe tanto quer mudar, continua a mesma.
Essência a gente não muda, melhora.
A mãe não aprendeu esse “detalhe” da vida nos seus 70 anos de vida.
Tirei o porta-retratos da minha mesa.
Não somos mais as mesmas.
Não preciso carregar pesos que não são meus.
Ninguém precisa.
Nem ela.
Cláudia Bergamasco é escritora e jornalista