Foi um Carnaval que passou…
Outra memória daquelas deliciosas deixada por Picôco Barbaro…
Picôco Barbaro
Hoje queria a tristeza que não tenho. Chorar o amor que já não sou capaz. Sentir lágrimas nos meu olhos secos. Ter saudade que não sinto. Ver a aldeia que não conheci. Romper barreiras que desisti. Sofrer a perda do que não perdi.
Um cheiro de pão. Um uísque disperso. Um passado sem saudade. Amizade perdida. Cansaço do que não cansa. Um derradeiro descaso. Uma fama que difama. A gaiola vazia do pássaro que não prendi.
O pecado que não cometi. A dor fingida da dor deveras sentida. A mão que não estendi. O desejo que reprimi. Um amar que não desiste. As cartas que não escrevi. As mal traçadas que não tracei. Um menino que ficou pra trás. O tempo que não existe e que não passa: quem passa sou eu.
Um delírio fugidio que me escapou por entre os dedos. Ai, as perdas que não mais se perdem. O implorar rejeitado. Uma vergonha desavergonhada. O tapa com a mão escondida. A flor que não plantei. O riso que escondi. O deboche. O gesto sem intenção. A intenção sem gesto.
O coração que não perdoa perdoando. Ressentimentos que não ousam. O deixar pra lá. O seja o que Deus quiser. O morrer em vida. A vida sem nunca morrer. O sangue que não esquenta. O esconde-esconde das palavras. A esperança do não definitivo. O destino consumado. A carne domesticada. A presunção. O saber ilustrado. A enorme confiança no viver é só isso mesmo.
OBS: Texto publicado ao final do Carnaval de 2015. O colunista social morreu após o Carnaval de 2017. Foto de foliões após o desfile 2020 do Continuamos na Nossa desta segunda-feira (24).