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Jundiaqui

 Pandemia e culinária
1 de julho de 2020

Pandemia e culinária

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Com o confinamento causado pela pandemia, às vezes tenho assistido televisão, coisa que não estava nos meus hábitos. Maria Helena, minha mulher, não perde o programa da Rita Lobo, que é realmente muito bom e que me fez lembrar dos tempos em que eu gostava de brincar na cozinha.

Até 1970 ou 1971 eu nunca havia sequer fritado um ovo. Por essa época, comecei a frequentar a casa de praia de um casal amigo, Yolanda Verdier e Jaime de Queiroz Mattoso, em Ilhabela. O Jaime era um exímio caçador submarino e me ensinou a mergulhar. Como novato, eu era o mais incompetente na roda de caçadores submarinos da Praia da Feiticeira. O único incompetente, para ser mais exato. Mas a incompetência tem suas compensações. Um dia, apontei para uma bela garoupa, errei o tiro e meu arpão acertou uma lata vazia de tinta, jogada no mar pelos pedreiros que trabalhavam na casa do Mário Audrá. Para desvencilhar o arpão, fui obrigado a sair do mar. E quando despejei no trapiche do Jaime a areia que havia dentro da lata, apareceram cinco camarões. Foi o meu momento de glória como caçador submarino: a história virou piada e eu fiquei conhecido como aquele cara que pegou cinco camarões com um único tiro de arpão.

Agora vem o desfecho onde eu queria chegar. Naquela roda havia uma regra: quem pegou o peixe tem que cozinhá-lo. Camarão não é peixe, mas a regra era extensiva a frutos do mar. Foi assim que aprendi, com a Yolanda, a preparar camarão à provençal. E descobri que levava jeito na cozinha. Em 1973, o meu camarão à provençal já era famoso em Ilhabela.

Outro prato meu dessa época era arroz com mariscos. Marisco vive grudado nas pedras, você não precisa ser um caçador submarino para encher um jacá. O segredo é prepará-lo na hora em que o bicho sai do mar. Despeje os mariscos em um caldeirão grande e acenda o fogo. Não precisa pôr água no caldeirão, porque marisco fresquinho solta um monte de água. Uma água esverdeada, porque marisco se alimenta de algas. Quando as conchas abrirem, você tira do fogo, coa duas vezes aquela água verde em um pano, para tirar bem a areia, e usa a água do marisco para fazer o arroz. É isso o que dá um sabor especial ao prato. Enquanto o arroz cozinha, você tira os bichos das conchas e, quando o arroz estiver pronto, mistura nele os mariscos. Pronto, pode servir. Duas advertências. Primeira: cuidado com o sal, porque a água do marisco já é salgada. Segunda: não marque compromisso para depois do almoço, porque após comer esse prato você vai morcegar por umas duas horas.

Ainda nos anos setenta, eu passei da fase marinha para a fase húngara. Foi na chácara dos amigos Ingrid e Paulo Odry que conheci uma senhora chamada Ilona Teller, ex-mulher do Conde Lajos Károly. A Sra. Teller tinha um pequeno restaurante na casa dela, só para conhecidos, que era uma das melhores cozinhas de São Paulo, o que não é dizer pouco. Com ela eu aprendi a fazer rakott káposzta com todos os pormenores e sutilezas de uma chef nascida e criada na Hungria. Fazer o prato com todos aqueles requintes de perversidade gastronômica é muito trabalhoso e demorado. Eu fiz uma vez, em 1980, aqui em Jundiaí, na fazenda dos Traldi. Mesmo com a Susana Traldi ajudando, demorou tanto que o que era para ser um jantar acabou se convertendo no almoço do dia seguinte. Depois disso eu criei uma versão mais rápida, mas assim mesmo a descrição do preparo não iria caber nesta crônica.

Como prêmio de consolação, eu ensino vocês a fazerem outro prato húngaro muito gostoso: Esterházy rostélyos. É um filé que foi introduzido na corte de Viena pelo Príncipe Miklós Esterházy (1714-1790), aquele mesmo que tinha em seu palácio uma orquestra particular regida pelo compositor Joseph Haydn. Esta é a minha versão do prato. Vamos a ele?

Seis fatias de filé mignon cortado fino (sessenta a oitenta gramas por fatia). Uma cenoura grande, uma cebola média, um talo de salsão, meio nabo, meio buquê de salsinha, um limão, uma colher de sopa de mostarda escura, um pedaço de bacon, uma latinha de creme de leite e meio copo de vinho branco.

Com um pouco de antecedência, despeje o creme de leite em uma vasilha e esprema nele meio limão, para azedar.

Corte o bacon em pedacinhos miúdos, em quantidade suficiente para que, na frigideira, ele solte a gordura necessária para fritar os filés. Não dá para dizer quantos gramas, porque cada pedaço de bacon tem uma quantidade diferente de gordura. Tem que ser no olho e no feeling.

Raspe a casca da cenoura e a casca do nabo com uma faca, e remova aqueles fiapos duros do salsão. Depois use as lâminas do ralador para picar tudo isso. Para cortar a cebola em rodelas e picar a salsinha, use uma faca.

Aqueça o bacon em uma frigideira grande, até derreter a gordura. Frite ligeiramente os filés nessa gordura (um minuto de cada lado) e separe. Despeje na frigideira os vegetais picados e refogue até amolecerem.

Acrescente a mostarda, o creme de leite e o vinho branco, e esprema a outra metade do limão. O tanto de sal depende do seu gosto. Lembre-se de que muito sal entope as artérias.

Recoloque os filés na frigideira e deixe cozinhar nesse molho por cinco minutos. Pronto, pode servir. Se quiser, pode enfeitar os filés com palitos de cenoura e de nabo cozidos em manteiga. O acompanhamento do prato na Hungria ou na Áustria é Spätzle, mas em Jundiaí você pode usar arroz mesmo, a menos que seja perfeccionista.

À demain, de leve, que eu vou em frente.

Palácio do Príncipe Esterházy, em Fertöd

 

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