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 Bolsonaro e a Copa América
2 de junho de 2021

Bolsonaro e a Copa América

“Não há problema nenhum” afirma presidente. Vejo como uma estúpida decisão

Cláudia Bergamasco

Você deve estar pensando que há algum tempo eu calcei minhas botas sete léguas amarelas e corro desembalada pela vida política – todos, mesmo não gostando, somos afetados por ela.

Estive pensando no caso da Copa América e da estúpida decisão do presidente Bolsonaro de sediar os jogos no Brasil em um momento tristíssimo da existência humana e do pobre país em que vivemos nessa pandemia devastadora.

Se realmente for confirmada sua afirmação categórica sem nenhum prurido de sua parte quanto às questões sanitárias, ao luto de quase 500 mil famílias que perderam seus entes queridos para a Covid-19, estaremos diante de um caso extremo não de negacionismo, mas de psicopatia. Vamos comemorar um campeonato de gols de mortes cada vez maiores?

Recapitulei algumas passagens de diversos livros que li há não muito tempo e surgiu na minha cabecinha sete léguas (rápida) a história de um déspota absoluto, a de Luís XIV da França (lembrei também de Ricardo III, de Shakespeare – procure, leitor, saber ao menos o resumo dessa história incrível que tem muito a ver com o momento em que estamos vivendo). Luiz XIV tinha um prazer orgástico em dizer “O Estado sou eu”. Mas, assim como a Luiz XIV faltava para se transformar em alguém temível de verdade, falta a Jair Bolsonaro: o governante totalitário que o presidente tenta se tornar a todo custo, todos os dias da sua vida, e, assim, passar à história como o homem-mártir que “salvou” a nação, seja lá o isso representa para ele, e o “seu povo”.

Falta à Bolsonaro enxergar a si mesmo como o arquiteto de uma ordem social que, a seu ver, é – ou seria – perfeita. O Estado, com todo seu instrumental coercitivo, é o meio para se plasmar essa ideia de “bem comum”, exatamente como ele vê com seus olhos cegos a realização de um torneio de futebol no Brasil, descartado por dois países sul-americanos, e que tem tudo para ser um tornado – e tornados nunca são bons nem em filmes de ficção.

Essa ideia se apoderou do dirigente brasileiro como um cancro que destrói a ele próprio e pode levar centenas ao mesmo destino. Ou pior, à morte precoce e induzida de jogadores, jornalistas e um incontável séquito necessário para o campeonato se realizar de fato, sem contar na possibilidade de Bolsonaro e sua mente hitleriana abrir estádios para o povo assistir o campeonato ao vivo e a cores nos estados afora.

Parece que ele é o único que sabe em que consiste a “vontade coletiva”, o que seu povo e “sua nação” e inclusive “a humanidade” realmente querem, o que os fará felizes. Só mesmo na mente dele.

Veja, se os indivíduos têm projetos de vidas pessoais, se há instituições sociais que perseguem determinados fins, uns e outros terão de ser despojados de seus desejos, de tal modo que só subsista a vontade do “líder” , que se confunde “com a vontade geral em sua cabeça hitheriana, não me canso de dizer” – e que não me perdoem quem pensa diferente, quem é da turma do negacionismo e do bolsonarismo.

O flerte forte com o totalitarismo, que a meu ver define seu governo, tem um efeito devastador tanto sobre as instituições da sociedade civil quanto dos indivíduos e seus planos de vida. É nesse afã excludente de qualquer outro centro de vontade que se baseia a diferença entre um regime meramente autoritário ou autocrático e um totalitário.

O fim de Luiz XIV e seu governo? A história já contou e você já sabe. Bolsonaro seguirá pelo mesmo caminho? Não lhe restará consciência alguma? Logo a história dirá.

Pego minhas botas sete léguas amarelas e vou cuidar do meu jardim devastado pela chuva de granizo recente ouvindo ao fundo as notícias alucinantes que o rádio da cozinha me oferece. Não sem ficar contrariada e exclamando xingamentos a um governante assassino, mentiroso e totalmente sem noção.

Honestamente, ele e suas crias, que são experts em desferir palavras e gestos chulos, além de procurarem a qualquer custo a fortuna do tolo com a ajuda de gente igualmente tola que será descartada na hora certa sem dó nem piedade, assim como os peixões do futebol brasileiro que concordaram com uma excrescência dessas, que vão todos para uma ilha deserta no meio do nada, todos impichados e encarcerados pelos próprios sentimentos de culpa – se isso lhes couber -, tornando-se todos loucos em suas ideologias e sem nem ao menos um Wilson (quem assistiu o filme “Náufrago” sabe o que estou dizendo) a lhes fazer companhia. Nem mesmo um único “extremamente evangélico” – com todo respeito aos evangélicos, mas todos sabem que religião e política juntas nunca dão em coisas boas.

Cláudia Bergamasco é jornalista e escritora

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