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Jundiaqui

26 de dezembro de 2017

Serra do Japi tem nova descoberta: aranha que “usa” a luz

Essa “aranha de caranguejo” tem uma aparência branca, com um amarelo vivo na ponta das patas

José Arnaldo de Oliveira, do site Jundiahy

A natureza, que ainda esconde dos humanos seus mecanismos fantásticos como a energia solar da fotossíntese, sempre segue apresentando surpresas.

Na Serra do Japi, área de mata atlântica e pontos de cerrado ainda preservada em meio a um processo macrometropolitano, foi registrado um novo ponto da evolução com uma aranha do tipo “crab spider” (aranha-de-caranguejo) que em vez de mimetizar as flores próximas consegue mimetizá-las somente com folhas verdes.

O resultado tem importância mundial e teve o artigo divulgado no número 7 deste ano da Scientific Reports, parte da Nature – a mais renomada publicação científica do planeta.

A pesquisa, que durou vários anos, chegou a usar bloqueadores solares para confirmar as áreas do corpo de adultos dessa espécie onde a bioquímica interage com os raios luminosos ultravioleta (UV), com apoio de um espectrofotômetro de alta tecnologia. Como muitos sabem, as faixas dos raios luminosos são a origem das cores e o processo foi confirmado para a área dorsal das aranhas adultas.

Essa “aranha de caranguejo” da espécie Epicadus heterogaster tem uma aparência (aos olhos humanos) intensamente branca, com um amarelo vivo na ponta das patas, e assenta-se sobre o verde de uma folha de uma forma estética não apenas plano, mas em 3D.

O trabalho envolvido pode ser imaginado inicialmente pelos métodos para encontrar essas aranhas específicas nos ambientes mais preservados ou modificados da mata – por muitos dias ao longo dos anos de 2010 a 2013, incluindo milhares de horas de gravação de campo, evitando muita interferência no meio ambiente.

Depois, outras milhares de horas de testes e monitoramento de laboratório somando 4.850 horas no total. E ainda todo o levantamento bibliográfico necessário para sustentar os métodos e os resultados. Esse foi o processo em que estiveram Camila Vieira, Eduardo N. Ramires, João Vasconcellos-Neto, Ronei J. Poppi e Gustavo Q. Romero.

No projeto, Camila Vieira atuou como pós-graduanda em ecologia do Instituto de Biologia da Unicamp (IB). Eduardo N. Ramires pelo departamento de química e biologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Ronei J. Poppi pelo Instituto de Química da Unicamp. E os pesquisadores “sêniors” João Vasconcellos-Neto e Gustavo Romero pelo Departamento de Biologia Animal do IB,

A pesquisa teve como ponto de apoio a Base de Pesquisa, criada no mesmo ciclo de 1991-1992 que abrangeu também a publicação de um pioneiro livro da ecologia nacional, “História Natural da Serra do Japi”, pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e da criação da Reserva Biológica Municipal, criada pela Prefeitura de Jundiaí. Um assunto onde também ilumina, em sentido figurado, a necessidade de revisão sobre a base e a própria proteção da serra surgida parcialmente em 1983, depois das passeatas iniciadas em 1978.

A aranha como uma voz – Embora não consiga falar, essa aranha e todos os demais conhecimentos descobertos pela ciência (incluindo muitas outras espécies, muitas das quais ameaçadas de extinção em número crescente no mundo) trazem sua voz para o debate humano e político como uma espécie de função exercida pelos pesquisadores como definiu o filósofo francês Bruno Latour.

A atração de presas, na fauna e também na flora, é uma das questões ecológicas. Como os sinais visuais são interpretados pelo receptor (muitas vezes com centenas de olhos) tem como um dos meios mais comuns, observam os pesquisadores, a imitação de uma preferência sensorial da presa que atenda a sinais gratificantes. É o caso de uma flor repleta de alimento para, por exemplo, vespas, formigas e abelhas.

Geralmente pensamos na biodiversidade de uma forma associada a mamíferos e aves, mas na área da Serra do Japi foram muitas as surpresas com animais aquáticos, flores, aranhas ou insetos. Algumas curiosidades são frágeis, como o “bicho casca”. Outras crescem continuamente, como no caso das borboletas – em que passamos em uma década de 650 para 900 espécies identificadas.

Mesmo entre as aranhas, essa não é a única que nos surpreende na Serra do Japi. Há poucos anos foi descrita uma outra espécie que vira quase um zumbi, mudando o formato de sua teia para abrigar o casulo de uma larva que cresce dentro dela depois que uma vespa introduz seus ovos e uma certa enzima, que vem sendo pesquisada. Mas a diferenciação desta vez é ainda mais especial.

Os métodos usaram modelos lineares misturados (linear mixed models ou LME), descritos como sendo onde “blocos de experimentos analisam efeitos randômicos e efeitos fixos”, além do raro espectrofotômetro fabricado na Austrália, o Cary 5000 UV, que permite uma alta performance de medidas de 175 a 3.300 nanômetros. Essa precisão envolveu faixas de cor usadas pela espécie que mais atraíam diversos tipos de polinizadores.

Ao lado da tecnologia, referências clássicas também estão presentes na extensa lista como um estudo pioneiro sobre a fauna de insetos do Vale Amazônico feito em 1861 por Henry Walter Bates, um dos pioneiros da ecologia no século XIX ao lado de Alfred Russel Wallace e Charles Darwin.

No ensino básico, muitos aprendemos que o fenômeno do mimetismo foi observado por ingleses em 1850 com a mudança das mariposas da cor branca, que era útil para escapar de predadores como aves junto aos liquens das árvores da região de Manchester, para a cor cinza, que marcava as cidades com a fuligem da sua Revolução Industrial. Novas adaptações podem estar em andamento?

Base e políticas públicas – A área da reserva biológica em Jundiaí ocupa apenas a parte alta da área entre 700 a 1000 metros de altitude e apenas 10% da área tombada da serra no município, onde 90% são propriedades particulares – e ambos partes da área total que inclui trechos em Cabreúva, Cajamar e Pirapora.

A pressão macrometropolitana de São Paulo levou a maior parte desses municípios a serem decretados também, inteiros, como áreas de proteção ambiental (APA).

O risco de isolamento do ecossistema da serra no que seria um “fóssil vivo” leva ainda aos movimentos de atenção aos corredores de biodiversidade com outras áreas como a Serra da Mantiqueira, incluindo as tentativas de controle do “cinturão verde” restante no entorno de Jundiaí buscada na mais recente versão de seu Plano Diretor, em 2016.

Em 2004, foi criada uma lei municipal (417) específica da área da serra incluindo o entorno da área tombada. Mas também mostrou limitações e já recebeu duas leis adicionais de “congelamento” de novos projetos entre 2012 e 2017 e outra agora, de 2017 a 2032.

Por outro lado, a base de pesquisa criada em 1991 em parceria da Prefeitura e da Unicamp foi “reduzida” em 2015 com a criação da Fundação Serra do Japi, órgão municipal ainda sem identidade ou função consolidados.

A história social da Serra do Japi na cidade de Jundiaí, por outro lado, é pouco pesquisada na sociologia ambiental e tem entre seus marcos as passeatas ecológicas iniciadas em 1978, ainda durante a ditadura militar, que ajudaram a levar ao tombamento cultural de 1983 pelo cientista Aziz Ab´Saber no Conselho Estadual do Patrimônio (Condephaat).

Mas essa consciência vinha desde tempos antigos – e um artigo de 1960, publicado pelo arquiteto e ex-prefeito Vasco Venchiarutti no jornal “O Jundiaiense”, já fazia ainda antes do avanço urbano pós-Anhanguera um balanço de uma pequena desapropriação no topo da serra que ele fez e que esperava ser ampliada pelos prefeitos vindouros até ela se tornar inteira um grande parque público (um parque natural, não um parque de lazer urbano).

Seja qual for a forma pela qual possamos proteger a natureza, essa nova mensagem vinda com a aranha  Epicadus heterogaster nos lembra que é uma missão integrante do que somos.

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