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Jundiaqui

21 de julho de 2017

Adeus dona Walchiria

Por Wagner Ligabó

Uma manhã de domingo nublada, fria e triste. O futebol brasileiro perdeu. É por isso que estou triste? Não, não é não. No esporte profissional todos ganham; só perdem os torcedores que esperam qualquer vitória para melhorar sua auto estima e aplacar suas frustrações pessoais.

Hoje, emocionado, eu me reporto a uma perda real que me doeu muito, pelo que representou em minha vida profissional e pessoal. Seu nome era dona Walchiria.

Uma senhora de olhos verdes, hábitos simples, sempre elegante na forma de vestir, humilde, carinhosa e amiga, muito amiga.

Foram 20 anos de convivência desde quando a conheci por ocasião de sua cirurgia cardíaca em abril de 1989, quando tinha 64 anos. Tínhamos uma relação de fidelidade médico-paciente que transcendeu o contato profissional.

Sua ficha em meu consultório era a de número 365, exatamente os dias de um ano e comum à pergunta que todos os pacientes nos fazem: “- Doutor quantos anos eu ainda vou viver ?”. Ela era exceção: nunca perguntou.

Era zelosa a e caridosa para com o próximo. Por não ter casado, tinha por companheiro um eventual cigarrinho, que lhe dava um tom rouco de voz característico extremamente agradável.

Era um doce de pessoa; sempre me trazia peças de artesanato caseiro de capricho extremo, tão comuns às nossas avós, mães e tias. Eram toalhinhas de linho e crochê, peças bordadas e tricotadas. O que mais eu adorava eram os cachecóis, um mais lindo que o outro!

Éramos queridos amigos, uma relação de cumplicidade e amizade de um filho que ela nunca teve. Dava para se ter a percepção de seu bem querer sincero – coisa de mãe. Nunca esquecia as datas e nomes dos que me diziam respeito: minha mulher, meus filhos, minha mãe, enfim todos.

Foi funcionária pública dedicada durante muitos anos até se aposentar. Tinha orgulho das conquistas de seus familiares: viagens, promoções de carreira, porém sofria demais quando adoeciam.

O destino lhe foi cruel: a perda de seus dois irmãos precocemente e de um jovem sobrinho marcaram a ferro quente sua alma, mas mesmo amargurada sempre ficava ali firme. Eu sei que sua ideia era morrer aos pouquinhos para ninguém perceber, pois não gostava de incomodar.

Tomava seus remédios com regularidade britânica, porém algo me incomodava atualmente: a dona Walchiria não vinha se sentindo bem nos últimos 15 dias e ela não era de reclamar.

Nada especifico a não ser uma dor de cabeça irritante e oscilações da pressão dentro de um quadro clinico grave traiçoeiramente tramado pela passagem dos anos e pelos inimigos de plantão: história familiar de infarto, pressão alta, colesterol, passado de uma cirurgia cardíaca, doença circulatória nas pernas, o hábito de fumar e, principalmente, a solidão.

Conversávamos muito sobre a vida e certa vez me contou sobre um grande amor de sua vida. Um senhor espanhol que conheceu, mas que voltou para a Espanha. Ele por anos escreveu cartas e mais cartas de amor. Subitamente parou de enviar notícias; talvez tenha morrido, talvez a tenha esquecido; isso só o seu íntimo guardava em segredo.

A dona Walchiria passou mal num sábado indo à missa e foi atendida prontamente no Hospital São Vicente. Quando a vi ali no leito da emergência felizmente estava sedada e não via o que acontecia ao seu redor, pois neste momento somos apenas um ser inerte, sem uma identificação ou uma relação de amizade com alguém, como a que construímos com o passar de 20 anos de convivência.

Ela ali com seus lindos olhos verdes fechados, à mercê dos aparelhos, sem poder oferecer por gratidão a quem lhe cuidava um cachecol ou uma toalhinha de linho bordada.

Morre aos 81 anos a dona Walchiria e junto com ela morre um pouco de mim como médico e como pessoa que gosta de ter amigos sinceros e cachecóis. Quem agora me fará cachecóis com tanto carinho como ela? O meu último foi um vermelho, entregue há 15 dias, junto com um chale para minha mãe e que ainda está no porta-malas do meu carro.

Gosto de ver pessoas sorrindo e com saúde; quando alguém adoece fico doente junto e luto para as coisas melhorarem logo. Não gosto de cerimonias fúnebres, me faz mal. Raramente vou a velórios ou enterros, pois gosto de guardar na memória a imagem resplandecente do sopro da vida, de um sorriso, de um abraço apertado ou de um beijo carinhoso.

Estou triste porque estas acontecimentos servem para mostrar que a vida passa para todos nós e quanto mais velhos ficamos vamos compreendendo que, infelizmente, a unica certeza que a vida nos dá é que iremos morrer algum dia.

É minha amiga, quem não a conhecia no máximo irá dizer: “…mas ela tinha 81 anos, viveu bastante … “. Eu não. Sinto muito sua falta, sei que sempre estive em suas orações, sei da sua amizade sincera, sei de suas preocupações e amor para com os seus e para comigo também.

Que Deus a proteja querida Walchiria e fico com a certeza que os anjos a receberam com a pompa e circunstância que você sempre foi merecedora.

Agora me diga: quem irá me trazer um cachecol novo neste inverno?

Atá breve, querida amiga!

Wagner Ligabó é médico cardiologista

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