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Jundiaqui

 O embaixador e as onze mil virgens
8 de outubro de 2020

O embaixador e as onze mil virgens

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Ao longo da vida, a falta de espaço tem me obrigado, por muitas vezes, a me desfazer de parte da minha biblioteca, para que nela caibam novas aquisições. Quando faço isso, tenho sempre procurado dar os livros dos quais me despeço a pessoas que por alguma razão se interessem por aquele específico livro. Foi o que aconteceu quando ofereci ao amigo João Carlos Martinelli uma biografia do Embaixador José Carlos de Macedo Soares publicada em 1983 por António Barreto do Amaral, membro da Academia Campinense de Letras e de outras instituições dedicadas à literatura e à história.

Houve uma boa razão para que esse livro fosse destinado ao Martinelli. O pai dele, o Comendador Hermenegildo Martinelli, patrono da cadeira que tenho a honra de ocupar na Academia Jundiaiense de Letras, foi grande amigo do Embaixador Macedo Soares. Ambos faziam parte de um seleto grupo que se identificava pelo uso de gravata borboleta (ver as fotografias). Para quem não sabe, o Embaixador Macedo Soares, quando estudante no Largo de São Francisco, foi o Chaveiro da Bucha.

Durante as visitas do Comendador Martinelli ao Embaixador Macedo Soares, meu confrade acadêmico João Carlos Martinelli, ainda criança na época, entretinha-se com a coleção de selos do Embaixador, conservada na vasta biblioteca que abrigava mais de onze mil livros. As estantes dessa biblioteca, ou parte delas, em madeira de lei e primoroso trabalho de marcenaria, estão hoje mobiliando o Palácio da Boa Vista, em Campos do Jordão.

Quanto aos onze mil livros, os detratores do Embaixador se referiam a eles como “as onze mil virgens”, insinuando, com isso, que nunca foram lidos. Não é verdade. Macedo Soares era um leitor voraz e escreveu ele próprio numerosos livros, por conta dos quais ocupou a cadeira nº 12 da Academia Brasileira de Letras e a cadeira nº 1 da Academia Paulista de Letras.

Essa cadeira nº 1 da Academia Paulista havia sido, até então, a cadeira da família Machado. Tem como patrono o Brigadeiro José Joaquim Machado de Oliveira (1790-1867), autor de um valioso “Quadro histórico da Província de São Paulo até o ano de 1822”. O primeiro ocupante da cadeira foi Brasílio Machado, filho do Brigadeiro José Joaquim. O segundo ocupante foi José de Alcântara Machado, filho de Brasílio Machado e pai de António de Alcântara Machado.

António, que só não herdou aquela cadeira nº 1 porque morreu muito jovem, é hoje o mais lido entre os escritores dessa família, por conta do saboroso livro “Brás, Bexiga e Barra Funda”, várias vezes reeditado, no qual os personagens são imigrantes italianos de primeira e segunda geração, em cujos diálogos o autor registra o dialeto ítalo-paulistano falado naquela época nos três bairros de São Paulo cujos nomes servem como título do livro, cuja edição mais recente foi organizada pelo amigo Douglas Tufano, também da Academia Jundiaiense de Letras. O melhor exemplo está no conto “Lisetta”, no qual esse dialeto ocupa mais ou menos a metade do texto.

Abrindo parênteses, o dialeto ítalo-paulistano falado naqueles bairros de São Paulo, que é de origem napolitana, foi elevado à dignidade literária por António de Alcântara Machado como um registro linguístico, não como excipiente de humor. O ponto alto do livro é a história triste e comovente do Gaetaninho.

Quem explorou as possibilidades humorísticas do dialeto ítalo-paulistano foi Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, usando o pseudônimo Juó Bananére, autor do livro “La Divina Increnca”, que reúne paródias deliciosas de poemas muito conhecidos (amostra: Migna terra tê parmeras, che ganta inzima o sabiá). Tenho predileção pelo soneto “Uvi strella”, que termina com a chave de ouro “…só chi già studô astrolomia é capaz de intendê istas strella”.

O dialeto ítalo-caipira de Jundiaí, que está desaparecendo, era diferente do de São Paulo, era de origem veneziana, por isso muito semelhante ao falado na Serra Gaúcha, que foi preservado por Aquiles Bernardi no livro “Vita e stòria de Nanetto Pipetta” (amostra: de bichiere in bichiere, la ciucca si fa grossa).

Fechados os parênteses, voltemos ao Embaixador Macedo Soares. Quando ele tomou posse da cadeira nº 1 da Academia Paulista, ainda não tinha laços de contraparentesco com os seus antecessores da família Machado. Isso aconteceu depois, quando um sobrinho dele, José Eduardo de Macedo Soares Sobrinho, casou com Teresa Maria de Alcântara Machado, irmã de António de Alcântara Machado. Assim, de certa forma a cadeira nº 1 da APL continuou sendo uma cadeira de família até 1968, quando morreu o Embaixador Macedo Soares.

Essa família Machado tem um ramo jundiaiense, que são atualmente os Machado Menten, descendentes de Joaquim José Machado, irmão do Brigadeiro José Joaquim. Na geração já falecida, Raul Affonso Machado, nascido em Jundiaí, foi pai de Ruy Affonso Machado, muito conhecido como o criador do coral falado “Os Jograis de São Paulo”, mas também poeta com vários livros publicados, além de ator e diretor de teatro e de televisão.

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é escritor

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