Os Westin, a fruticultura e o terremoto
Esta crônica é uma homenagem à memória do amigo Sérgio Amaral Westin de Vasconcellos (1943-2023), que nos deixou no dia 24 de maio, para grande tristeza da sociedade jundiaiense.
Conheci o Sérgio em um passado já remoto, quando a mãe dele, Dona Lydia Amaral Westin, foi minha aluna na Faculdade de Direito Padre Anchieta. Dona Lydia, já então na meia idade, resolveu estudar direito depois que os filhos estavam criados e encaminhados na vida. Foi uma daquelas alunas que fazem a alegria dos professores: era inteligente, culta, interessada no curso e muitíssimo bem educada. Eu a tratava com enorme respeito, porque, no tempo em que estudei no Largo de São Francisco (1963-1967), ainda estava em vigor o Código Comercial de 1850, cujo anteprojeto foi elaborado, em 1834, por uma comissão da qual participou, com papel preponderante, o sueco Lars (Lourenço) Westin, representante diplomático da Suécia e da Noruega, com o título de cônsul-geral daqueles países no Brasil. Lourenço Westin (1787-1846), chegado ao Brasil em 1809, é o ancestral dos Westin brasileiros, aí incluídos, naturalmente, os de Jundiaí.
Dona Lydia era sobrinha da pintora Tarsila do Amaral e, por coincidência, nasceu em 1922, ano da Semana de Arte Moderna. Conhecedora de pintura, Dona Lydia reunia em sua residência pintores e outros artistas, criando assim em Jundiaí um centro informal de cultura. Não foi o primeiro e nem o último do gênero, mas acredito que tenha sido o único, durante algum tempo, a manter viva aqui essa tradição que vem do século XIX.
Mudando de assunto, a fruticultura é importante na economia de Jundiaí e o sogro de Dona Lydia, Philippe Westin Cabral de Vasconcellos, embora morador em Piracicaba, onde era professor titular na Escola Superior de Agronomia Luís de Queirós – ESALQ (USP), especializado em fruticultura, deu pelo menos duas contribuições de especialista para o bom andamento da fruticultura jundiaiense. No início dos anos cinquenta, quando as ameixeiras de Jundiaí perderam a produtividade e começaram a morrer, realizou-se aqui, em fevereiro de 1954, uma reunião do Fórum Paulista de Fruticultura, para investigar a causa daquele problema. Foi o Professor Philippe Westin de Vasconcellos quem identificou a causa do desastre como sendo a utilização da Prunus mirabono como porta-enxerto (Estadão de 14.7.1954, página 6). Esse Fórum Paulista de Fruticultura, entidade presidida desde a fundação pelo Professor Westin de Vasconcellos, nasceu de reuniões informais realizadas na “Brasserie”, tradicional bar e restaurante de Piracicaba (Estadão de 3.10.1956, página 9). Naquelas primeiras reuniões informais, os produtores de uva de Jundiaí eram representados pelo engenheiro agrônomo Júlio Seabra Inglês de Souza, formado na ESALQ, em 1935, a respeito do qual existe um longo verbete na JundPédia de Celso Francisco de Paula, disponível na Internet. Depois da criação do Fórum, nossos viticultores passaram a participar diretamente das reuniões.
O marido de Dona Lydia, Philippe Westin Cabral de Vasconcellos Filho, também engenheiro agrônomo formado na ESALQ, continuou a obra do pai, atuando na antiga Casa da Lavoura de Jundiaí, e foi o responsável pela difusão da cultura de morango no município e região.
Voltemos ao recém falecido Sérgio Westin de Vasconcellos, engenheiro formado na Escola Politécnica da USP. Para rimar eu diria que ele foi um engenheiro aventureiro. Foi piloto no Aeroclube de Jundiaí e atirador esportivo premiado nos Jogos Abertos do Interior. Fiscalizou obras de grande porte em vários continentes. Na África, em um país que estava em guerra na ocasião, o jipe que o transportava passou por cima de uma mina terrestre e Sérgio só não morreu naquela explosão por milagre, mas ficou com sequelas graves para o resto da vida.
Em outra ocasião, ele estava no Haiti (não o restaurante, o país) quando ocorreu lá um terremoto devastador, com grande número de vítimas. Sérgio participou ativamente nas operações de resgate. Pouco tempo depois, houve em Jundiaí um concurso literário promovido pela Biblioteca Nelson Foot, na época dirigida pela dinâmica Neizy Cardoso, de saudosa memória. Os participantes foram agrupados por idade e cada faixa etária deveria escrever a respeito de um tema diferente. Para os adultos, o tema proposto foi o tal terremoto no Haiti. O texto do Sérgio tinha tudo para levar o primeiro prêmio, porque ele escreveu como testemunha ocular do fato. Mais do que isso, como protagonista nas operações de resgate. Pois bem, acredite quem quiser, a Comissão Julgadora desclassificou o texto do Sérgio alegando que ele fugiu do tema proposto. É. Eu me pergunto o que aquela Comissão Julgadora esperava. Talvez uma dissertação escolar a respeito de movimentos tectônicos da crosta terrestre? Que baita injustiça.
LUIZ HAROLDO GOMES DE SOUTELLO, da Academia Paulista de História e da Academia Jundiaiense de Letras.