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Jundiaqui

 Rapazes, saiam de casa!
13 de maio de 2020

Rapazes, saiam de casa!

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Não, não estou dizendo para abandonarem o isolamento social preventivo da Covid-19. Muito pelo contrário, fiquem em casa. O título provocativo é uma tradução livre da frase alemã “Burschen heraus!”, que por sua vez é o título de uma velhíssima canção de estudantes universitários alemães.

Existem várias gravações dessa canção disponíveis no Youtube. Para quem quiser ouvir, recomendo a interpretação do barítono austríaco Erich Kunz, acompanhado pela Filarmônica de Viena e respectivo coro. Vale a pena ouvir, a música é muito bonita.

A frase “Burschen heraus!” foi usada no início do século dezenove como grito de guerra dos estudantes alemães, um chamamento às armas contra aquele anão megalomaníaco Napoleone Buonaparte, cujos exércitos haviam invadido boa parte do antigo Sacro Império Germânico.

A canção é posterior, foi composta em 1844 como um hino das Burschenschaften, um tipo específico de associação de estudantes dentro do universo mais amplo das associações genéricas de estudantes (Studentenverbindung, mais ou menos equivalentes aos nossos centros acadêmicos).

A especificidade das Burschenschaften estava no fato de serem sociedades secretas, ou ao menos discretas, por defenderem uma ideologia liberal em desacordo com o modelo político vigente na Europa. Havia ritual de iniciação, que muitas vezes incluía um duelo a sabre, com direito a cicatriz no rosto, que era ostentada com orgulho. Um dos últimos a ostentar esse tipo de cicatriz foi o Obersturmbannführer (Tenente-coronel das SS) Otto Skorzeny, considerado no seu tempo o homem mais perigoso da Europa.

A primeira Burschenschaft foi fundada em 12.01.1815 por estudantes da Universidade de Jena que haviam combatido nas guerras napoleônicas.

Embora a palavra Bursche (derivada do latim bursarius, isto é, bolsista) seja muitas vezes empregada como sinônima de universitário ou de rapaz, a tradução mais apropriada no Brasil seria “bucheiro”, pelo motivo a seguir.

Em 1828 veio da Alemanha um personagem misterioso que ficou conhecido no Brasil como Júlio Frank. Muito reticente a respeito de si mesmo, jamais comprovou com documento sua identidade. Acredita-se que fosse um ex-aluno da Universidade de Göttingen chamado Johann Julius Gottfried Ludwig Franck, nascido em Gotha, em 08.12.1808. Mas alguns, como Gustavo Barroso, sustentam que Júlio Frank era um nome falso utilizado por Karl Ludwig Sand, um ex-aluno da Universidade de Jena, supostamente decapitado em 1820 por homicídio. Seja como for, no Brasil ele tornou-se Júlio Frank e é o que basta.

Júlio Frank residiu inicialmente em Sorocaba, onde havia muitos alemães por causa da Fundição Ipanema, dirigida na época por Frederico Luís Guilherme de Varnhagen, pai do futuro Visconde de Porto Seguro. Em 1830, Júlio Frank mudou-se para São Paulo, onde passou a dar aulas particulares para candidatos a ingressar na Academia de Direito de São Paulo, no Largo de São Francisco. Em 1834 foi contratado para lecionar no Curso Anexo à Academia de Direito. Residia em uma república de estudantes, e foi nessa ou em outra república que fundou, em 1831, uma sociedade secreta de estudantes cujo nome por extenso é Burschenschaft Paulista, mais conhecida como a Bucha. Júlio Frank morreu de pneumonia (alguma espécie de coronavírus?), em 19.06.1841, e foi enterrado no pátio do antigo convento franciscano onde funcionava a Academia de Direito.

Em 1880 o antigo convento foi quase inteiramente destruído por um incêndio, restaram apenas as paredes externas de taipa socada. O Conselheiro José Luís de Almeida Couto (1833-1895), que foi Presidente da Província de São Paulo no período 1884-1885, fez construir um prédio novo para a Academia de Direito, prédio esse projetado pelo engenheiro francês Eusébio Stevaux (1826-1904), radicado no Brasil desde 1851.

Abrindo parênteses, o Conselheiro Almeida Couto e sua mulher Amélia são ancestrais dos Menten de Jundiaí, assim como o engenheiro Eusébio Stevaux e sua mulher Léonie são ancestrais dos Stevaux de Jundiaí.

Fechados os parênteses, o prédio projetado por Stevaux foi substituído, quando o Diretor da Academia de Direito era o Prof. Alcântara Machado, pelo prédio atual, inaugurado em 1934, mas que só foi inteiramente concluído em 1941. A única coisa que sobreviveu a essas duas reconstruções foi o túmulo de Júlio Frank, que está lá até hoje, no menor dos dois pátios internos do edifício.

No início, a atividade beneficente da Bucha foi apenas dar apoio financeiro aos estudantes mais pobres, depois expandiu-se para outras formas de assistência social. A par disso, a Bucha foi a mais poderosa entidade política do Brasil durante o Segundo Império e durante a República Velha.

Mais uma vez puxando a brasa para Jundiaí, um bucheiro que se destacou muito na política nacional foi Francisco Glicério, ancestral da Sra. José Renato Nalini. Também foram sabidamente bucheiros os presidentes Prudente de Moraes, Campos Salles, Rodrigues Alves, Washington Luís, Júlio Prestes, Afonso Pena e Wenceslau Braz. É dizer pouco?

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é advogado e escritor

 

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