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Jundiaqui

 Tio Constantino e o progresso da Ciência
26 de dezembro de 2021

Tio Constantino e o progresso da Ciência

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Tio Constantino não é meu tio, mas aqui em Jundiaí ele caiu no domínio público como Tio Constantino. É assim que as pessoas, mesmo sem qualquer parentesco, referem-se a ele nas rodas onde ainda é lembrado com alguma frequência, como a colónia lituana e o Tênis Clube.

Na segunda metade do século passado, Tio Constantino era figura popularíssima do folclore urbano de Jundiaí, por haver sido o protagonista de aventuras e peripécias quase inacreditáveis. Hoje, Tio Constantino está ameaçado de esquecimento pelo grande público, mas não podemos permitir que isso aconteça. Seria uma perda para o patrimônio cultural de uma cidade que se orgulha de instituições sociais como a U.T.I. da Paulicéia e o Bar da Cirrose.

Tio Constantino nasceu em uma aldeia nas imediações de Rokiskis, na Lituânia, e em idioma lituano o nome dele se escreve Konstantinas. Não era um cientista, mas deu várias e inusitadas contribuições para o progresso da ciência.

Em ordem cronológica, a primeira dessas contribuições foi provar que o ser humano pode viver sem pulmões. Começou a fumar com cinco anos de idade e não parou até morrer, aos noventa e quatro anos, atropelado por um ônibus. Não fosse pelo atropelamento, teria vivido pelo menos até cem anos. E as diversas radiografias toráxicas feitas ao longo da vida mostravam, já havia muito tempo, apenas uma grande mancha preta na qual era impossível distinguir o que quer que fosse. Pulmão, se algum dia ele teve algum, já era.

Outra contribuição de Tio Constantino para o progresso da ciência foi provar que o ser humano pode sobreviver a temperaturas extremamente baixas sem ter a saúde afetada pela hipotermia. Aos dezesseis anos, ainda na Lituânia, ele foi preso pelos invasores soviéticos, porque contrabandeava vodca, e foi deportado para um gulag na Sibéria. Lá ele passou a fabricar, em segredo, vodca artesanal, destilando cascas de batata descartadas pelas cozinhas. Com isso, tornou-se tão popular entre os companheiros de exílio que, ao ser finalmente libertado pelos bolcheviques, houve uma ameaça de revolta no campo de concentração. As outras vítimas da ditadura bolchevique não queriam permitir que ele saísse de lá, porque sem Tio Constantino não haveria mais vodca clandestina naquele gulag isolado em uma imensidão de gelo.

Para quem não sabe, na Sibéria a temperatura média no inverno é de 25 graus centígrados abaixo de zero, podendo ser bem mais baixa em alguns lugares ou nos picos de frio. Para dar uma ideia do que isso significa, as pessoas compram leite por quilo e derretem na panela para beber. Tio Constantino não teve qualquer sequela somática dessa estadia na Sibéria porque gostava mais de vodca do que de leite. Sequela psicológica foi uma fé inabalável no efeito medicinal da vodca.

Isso nos leva a uma terceira contribuição de Tio Constantino para o progresso da ciência. Depois que ele escafedeu para o Brasil, demonstrou que o ser humano pode ser imune à cirrose hepática desde que tenha o fígado conservado em vodca. Tio Constantino morava em São Paulo, na Vila Zelina, mas estava constantemente em Jundiaí visitando parentes e outras famílias de origem lituana. Havia um bom número dessas famílias em Jundiaí: Roselis, Dumalakas, Galinskas, Mikalauskas etc. Um dos lituanos municipais era conhecido na colónia lituana como Piukas, que significa literalmente pinguço. Esse era dono de um bar lá para os lados da Vila Progresso. Minhas fontes não conseguiram informar qual era o nome daquele estabelecimento, porque era conhecido simplesmente como o Bar do Piukas. Era nesse Bar do Piukas que Tio Constantino gostava de encher a cara quando estava em Jundiaí. Há uma explicação para essa preferência. O Piukas considerava a pinga brasileira uma bebida muito fraca e acrescentava um pouco de álcool puro de farmácia (96°) para deixá-la a seu gosto. Era nessa pinga reforçada que Tio Constantino punha fé para igualar o efeito medicinal da vodca.

Fosse em Jundiaí, fosse em São Paulo, Tio Constantino entrava na manguaça todos os dias. E o único efeito colateral dessa medicação heterodoxa era uma certa falta de atenção ao atravessar ruas e avenidas. Foi atropelado sete vezes. É, sete. Pode ir para o “Guiness Book of Records” como o homem mais atropelado da história. Na sétima vez, já com noventa e quatro anos, foi atropelado por um ônibus e dessa vez ele morreu. Se fizerem um filme da vida de Tio Constantino, estrelado pelo Bruce Willis, o título apropriado seria “Duro de matar 7.0”.

Não é preciso dizer mais para justificar minha proposta de que a Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência crie um Prêmio Tio Constantino para agraciar pessoas que deram contribuições inusitadas para o tal progresso. Como provar que o ser humano pode viver sem pulmões, sem termostato biológico, e é imune à cirrose hepática se tiver o fígado conservado em álcool.

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é advogado e escritor

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