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 Todo italiano tem um Papa na família
12 de setembro de 2020

Todo italiano tem um Papa na família

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Antes que o Conde de Cavour inventasse a Itália, o que só aconteceu na segunda metade do século XIX, a Península Itálica abrigava diversos países menores. Em 1859 ainda havia, do sul para o norte, o Reino das Duas Sicílias, o reino da Sardenha, o Estado Pontifício, o Grão-Ducado da Toscana, o Ducado de Módena, o Ducado de Parma, o Reino Lombardo-Vêneto e o Reino da Savoia. Com cada uma dessas monarquias, e outras que existiram antes, produzindo durante séculos os seus príncipes, duques, condes e barões, o resultado é que, antes da explosão demográfica do século XIX, em cada três italianos um era nobre.

Mesmo depois da explosão demográfica, é impossível fazer um passeio a pé de quinze minutos em qualquer lugar da Itália sem cruzar com algum nobre. E nem é preciso ir à Itália, muitos italianos nobres vieram morar aqui no Estado de São Paulo. Para dar um exemplo extraído da alta nobreza, o Príncipe Eugênio de Savoia-Genova, Duque de Ancona, com a mulher, nascida Princesa Lucia de Bourbon Duas-Sicílias, vieram morar em São Paulo, assim como a filha deles, Princesa Maria Isabella, casada com o Conde de Rezzano (cujo irmão é casado com a minha prima Sylvia Soares, que tem desenhado as capas dos meus livros).

Pensando bem, basta gostar de cinema italiano para topar com a nobreza. Aquela obra prima que é o filme Il Gattopardo, cujo roteiro retrata a decadência da nobreza siciliana, é baseado em um livro escrito pelo Príncipe Tommaso di Lampedusa, e o diretor do filme, o incomparável Lucchino Visconti, era conde e era descendente dos antigos duques de Milão.

Havia tanto nobre na Itália que eles mesmos criaram castas dentro da nobreza, usando critérios os mais variados. Um desses critérios, talvez o mais pitoresco de todos, era o dos que diziam que alguém, para ser nobre de verdade, precisava ter um papa na família. Isso gerou o corolário ampliativo de que ter um papa na família já seria o bastante para tornar nobre aquela família.

Quando eu era criança, achava podre de chique meu pai contar que um dos colegas dele no Colégio Champitet, chamado Filippo Lante della Rovere, tinha dois papas na família: Sisto IV, nascido Francesco della Rovere, e Júlio II, nascido Giuliano della Rovere. Para quem não se lembra, Júlio II foi quem patrocinou Michelangelo para pintar a Capela Sistina, que leva esse nome em homenagem ao tio Sisto IV.

Mais tarde, quando eu já era adulto e frequentador de bibliotecas, encontrei na obra do genealogista português Dom António Caetano de Sousa a informação de que um dos meus ancestrais portugueses da família Sousa era casado com Cecília Colonna, de uma família romana. Com um pouco mais de pesquisa, constatei que Cecília Colonna era descendente de Alberigo II, Duque de Spoletto. A mãe de Alberigo II, Marósia, foi amante do Papa Sérgio III (falecido em 911) e, dessa relação extraconjugal, teve um filho que se tornou o Papa João XI (falecido em 935).

Se tudo isso for verdade, eu seria sobrinho-neto-neto-neto (ponha neto nisso) do Papa João XI. Na ocasião, fiquei vaidoso com essa descoberta, especialmente porque em Portugal não é comum, como na Itália, ter um papa na família. Mas não havia motivo para vaidade. A maioria dos papas foram santos, beatos ou veneráveis, mas existem algumas poucas exceções. João XI foi um dos piores papas na história da Igreja, e era filho de outro que foi o pior de todos: para chegar a papa, Sérgio III aprisionou e mandou matar seus dois antecessores.

Em compensação, a mãe de Cecília Colonna era da família Chigi, que mais tarde produziu o Papa Alexandre VII, nascido Fabio Chigi. Esse foi um bom pontífice, versado em teologia e muito austero. Tão austero que mantinha no quarto de dormir o caixão no qual seria enterrado, para lembrar que estamos neste mundo apenas de passagem. Foi também um patrocinador de artistas, em cujo pontificado foram realizadas em Roma muitas obras urbanísticas importantes, como a colunata da Praça de São Pedro, pelo arquiteto e escultor Gian Lorenzo Bernini.

Agora, vem a parte da qual vocês leitores do JundiAqui vão gostar. Considerando que até hoje já houve duzentos e sessenta e seis papas, dos quais apenas muito poucos não eram italianos, e considerando o número astronômico de casamentos realizados na atual Itália, entre famílias de muitos filhos, ao longo de dois mil anos de papado, podemos presumir, por uma estatística rudimentar, que a esmagadora maioria dos italianos tem algum papa na família. Isso inclui os ítalo-jundiaienses, é claro. Mas não fiquem vaidosos muito depressa. De repente pode ser aquele Sérgio III…

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é escritor e advogado

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