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Jundiaqui

 A pronúncia correta
31 de março de 2021

A pronúncia correta

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

A pandemia, cuja persistência nos exaspera, matou mais um velho amigo, desta vez Lannoy Dorin. A comunidade acadêmica de Jundiaí sabe que o Professor Dorin, mestre em psicologia pela USP, especializado em psicologia da educação, e autor de dezenas de livros de psicologia e de ficção, foi o primeiro diretor da Faculdade de Psicologia Padre Anchieta, cargo que exerceu, com notável dedicação, por longos anos.

Conheci o Dorin no tempo em que a Faculdade de Direito e a Faculdade de Psicologia eram vizinhas, nos velhos prédios do campus da Rua Pirapora. O gabinete dele ficava do outro lado do corredor em relação à sala dos professores de direito. A camaradagem, nascida em conversas rápidas de corredor e de café, desabrochou em amizade ao ensejo de um encontro na biblioteca, que ambos visitávamos com alguma frequência.

Nessa ocasião, Dorin encontrou-me vasculhando as estantes onde eram guardados os livros de psicologia junguiana. Como é natural, ficou curioso para saber o que fazia um professor de direito fuçando livros de psicologia. Respondi que não estava fazendo isso como professor de direito, mas como autor de obras de ficção humorística, em busca de um conhecimento melhor da teoria do inconsciente coletivo e dos arquétipos. Ouvindo isso, os olhos dele brilharam, porque era um de seus assuntos prediletos. Além de indicar dois ou três livros direcionados para o que eu estava querendo, ele próprio me explicou, em poucos minutos, o essencial a respeito do tema. E, enquanto voltávamos para nossas salas, descobri que, por trás daquela fisionomia compenetrada, quase carrancuda, Dorin era um homem alegre e tinha um grande senso de humor. Contou-me que se divertia usando os arquétipos para escrever o horóscopo do Jornal de Jundiaí, escondido atrás de um pseudônimo feminino. E presenteou-me com cópias de alguns desses horóscopos que, por baixo da aparente futilidade, eram sutilmente profundos.

Fizemos um intercâmbio de exemplares dos nossos livros de ficção. Os dele eram leitura educativa para adolescentes, os meus eram, na época, leitura deseducativa para adultos. Isso foi um pouco mais tarde, quando minha mulher, Maria Helena, cursou a Faculdade de Psicologia. Maria Helena fez o curso aos trancos e barrancos, porque nosso filho Luís Filipe ainda era bebê e dava muito trabalho. Dorin nunca a deixou desistir nos momentos de desânimo. Deu um grande apoio. Ele se interessava pelas dificuldades pessoais de cada um dos alunos e alunas da Faculdade de Psicologia. Não conheci outro professor tão dedicado, ao longo de minhas quatro décadas de vida acadêmica.

Mas, como eu disse, o que me cativou no Dorin foi o senso de humor, as brincadeiras intelectuais que fazíamos nas nossas conversas. Uma das minhas brincadeiras era dar a ele o título de Dorin, Sire de Lannoy. O sire francês significa senhor feudal.

Piada que precisa de explicação não tem graça, mas não estou lembrando isso para fazer graça nesta despedida a um amigo que se foi para o céu dos professores. A explicação dessa nossa velha piada particular é que o pessoal daqui pronunciava o nome dele Lanoí, mas o nome Lannoy é belga, de origem francesa, e a pronúncia correta é Lanuá, tanto assim que a grafia medieval do nome era L’Annoit.

Embora usado no caso dele como nome de batismo, Lannoy é originalmente um nome de família, assim como Rubens ou Murilo. Os Lannoy, descendentes de Gillion de l’Annoit, que viveu no século XIII, ocuparam, nestes oito séculos de existência, posição de destaque na alta nobreza da Flandres. A maioria deles ostentou títulos de barão, de conde ou de príncipe. Alguns deles casaram em famílias reais. Para dar apenas um exemplo, na geração atual Dona Cristina, nascida Princesa de Ligne e casada com Dom António de Orléans e Bragança, terceiro na linha de sucessão à coroa do Brasil, é Lannoy por parte da mãe, nascida Jacqueline, Condessa de Lannoy. E tem muito mais nos nobiliários europeus, como o Almanaque de Gotha.
Então, meus caros leitores e leitoras do JundiAqui, como homenagem póstuma a este ser humano admirável que foi o Professor Lannoy Dorin, esqueçam a pronúncia caipira, Lanoí, e pronunciem direito o nome dele: Lanuá. É nome de príncipe.

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