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 Praia da Fome e o apagamento da escravidão
18 de novembro de 2023

Praia da Fome e o apagamento da escravidão

Por Iane Melotti – Penso em ir até a Praia da Fome, na linda Ilhabela. Longe e de difícil acesso, só indo de barco. Passeio caro e para poucos. Curiosa, fui pesquisar sobre o nome e isso me fez refletir sobre esse Dia da Consciência Negra…

Praia da Fome seria por que sua distância dificulta o abastecimento de alimentos e água potável? Não! Encontro a seguinte informação: a Praia da Fome remete a histórias de que ali os escravos eram alimentados “depois de longa e precária viagem” desde o continente africano, para depois serem vendidos conforme seu peso. Dá para acreditar?

Precário é viajar de avião na classe econômica, pegar a lotação nesse calor, ir à pé ao supermercado e coisas do gênero. Precária viagem aquela dos navios negreiros? Assassino e avassalador arrastamento de pessoas sequestradas de suas terras para um “não sei onde”.

Viajar é o ATO voluntário ou involuntário de se deslocar de um lugar ao outro. Quando penso em VIAGEM penso em algo voluntarioso, às vezes nem tanto, mas uma pessoa sequestrada pode estar participando dessa viagem? Não.

No mundo das narrativas, quanto mais leio sobre determinadas histórias, as palavras impregnadas de (pre)conceitos carregam em seus significados um modo de ver as relações. Não é sem motivo que estamos passando por um momento de transição “linguística” cujos significados devem ser lançados à luz da consciência.

Analogamente, quanto ao transporte dos judeus encontro as seguintes definições: “deportados forçosamente”, “arrastados por quilômetros”, “indo por caminhos para o extermínio”, palavras que não conseguem carregar todo o seu perverso significado do que foram essas travessias para a morte.

Parafraseando Cida Bento em seu livro “O Pacto da Branquitude” (…) há uma isenção dos brancos quanto à “deformação” da personalidade por conta da escravização. No parágrafo em questão ela faz referência ao importantíssimo livro do sociólogo Florestan Fernandes intitulado “A integração do negro na sociedade de classes” (apud Cida Bento p.63). A consciência do privilégio branco deve ser aprofundada em nossa sociedade.

Não obstante, o reconhecimento do processo de escravização no nosso país deve ser amplamente estudado.

Abrir mão de privilégios não é tarefa fácil, ainda mais quando a pobreza e a diversidade social é tão abrangente no Brasil. A meritocracia e as teorias liberais que permeiam nossa formação são predominantemente usufruídas por brancos, porque uma pessoa negra não tem as mesmas chances que uma pessoa “branca”. Fato – muito embora até mesmo o que seria “branco” nesse país mereça discussão.

O primeiro passo é o reconhecimento dessa branquitude, desses privilégios diários. Não é tarefa fácil, repito. Mas quem sabe encontraremos palavras mais adequadas para que o sal na nossa ferida narcísica arda como o antigo Mertiolato. Que sangre, que doa. Mas as feridas nos corpos negros só poderão ser curadas se ocorrer essa divisão dolorida, de nossa história escravagista, nossa responsabilidade dos privilégios sociais.

Iane Melotti é doutora em Psicologia 

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One thought on “Praia da Fome e o apagamento da escravidão

Ana Paula Drummondsays:

Excelente texto, sou fã dessa profissional maravilhosa Dra. Iane

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