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Jundiaqui

11 de julho de 2017

Crônica da Cozinha – Nosso tempo

Por Manuel Alves Filho

O tempo é uma variável fundamental na cozinha, principalmente quando o ambiente é profissional.

O cliente não quer esperar demasiadamente pela refeição e nem tampouco aceita que seu peixe, massa ou carne sejam servidos fora do ponto.

Um prato preparado à perfeição, mas que leva uma hora para chegar à mesa, provavelmente não satisfará o comensal. O mesmo vale para o repasto feito rapidamente, mas que carece de esmero.

Dominar o período que separa o passado do presente é, decerto, uma habilidade necessária ao cozinheiro, tanto quanto saber dosar o sal ou a pimenta.

Quando cozinho em casa, estou sempre de olho nos relógios. Sim, no plural. Me valho de vários artefatos, para não correr o risco de perder o tempo da comida, que exige exatidão.

Na cozinha, tenho um relógio sobre a máquina de lavar louça, o do forno micro-ondas e o do fogão. Mas o que mais me orienta no preparo das refeições é o relógio centenário que fica fixado à parede da sala, uma peça produzida nos Estados Unidos e que pertencia aos avós da minha mulher, Maria Alice.

O “Oito”, como é chamado por causa do seu formato, é lindo. Uma preciosidade. Foi produzido por um dos maiores fabricantes de relógios do mundo à época, a Ansonia Clock Company, fundada em 1850.

Tem caixa em madeira e um mostrador, devidamente esmaecido pelo tempo, que referencia as horas em algarismos romanos. Funciona à corda, que, confesso, às vezes me esqueço de girar. Vivo levando bronca da Maria Alice por isso.

O “Oito” tem uma badalada bem impositiva, como um prato bem temperado. Devido à idade, atrasa-se um pouco, mas não muito. Coisa pouca, mesmo. É um senhor em plena atividade. Muito produtivo.

Além de me orientar, me serve de companheiro. Já testemunhou erros homéricos cometidos por mim, como no dia em que fiz minha primeira fornada de pão italiano. Os pães ficaram extremamente duros. Viraram farinha de rosca.

A culpa pelo erro, claro, não foi do relógio, que registrou com exatidão todo o tempo do processo. Foi minha, que não controlei adequadamente a temperatura do forno. Mas o “Oito” também assistiu a grandes performances deste cozinheiro, como na segunda vez em que fiz a mesma receita de pão italiano. Ah, os pães ficaram uma beleza. Perfumados, com massa crocante e sabor levemente ácido. Segundo o Oito, foram 18 horas de fermentação. Cravadas!

Hoje à noite, o “Oito” estará novamente ao meu lado. Vai me ajudar a controlar o tempo de cocção de um bolo de fubá, aquele que fica cremoso no centro. Deve ser a milionésima vez que ele me acompanhará na lida.

Faz muito tempo que estamos juntos. Pesando bem, desde a época da ingenuidade.

Manuel Alves Filho é jornalista e chef de cozinha

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