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Jundiaqui

 Depois da tempestade
1 de fevereiro de 2020

Depois da tempestade

Por Nelson Manzatto

Dia de tempestade, temporal ou qualquer chuva que fizesse a água correr pela rua era festa para a garotada da avenida São Paulo, na Vila Progresso, no final da década de 1950. Rua de terra motivava os garotos. E quantos garotos: Adilson, Luciano, Carlos Alberto (que todo mundo chamava de Berto), Cipó, Nê, os irmãos Iotti, Ademir e, claro, eu.

Dependendo do horário, cerca de 20 garotos se reuniam para se divertir depois que a água parava de descer do céu. Apesar de meus quase oito anos, me transformava na sombra de Ademir, meu irmão mais velho, e acompanhava as ações dos garotos, quando os últimos pingos da chuva chegavam ao solo.

A rua se enchia de garotos, correndo para a água que seguia, rumo à calçada que mais parecia um barranco já que rua de terra tinha, necessariamente, de ser acompanhada de calçada igual.

A ideia era fazer uma “mureta”, colada na calçada, construindo assim uma barragem para represar a água. E o trabalho tinha que ser rápido, preparar bem o barro e ir montando o muro. A água ia se acumulando, enquanto outros garotos, com folhas de caderno, “construíam” barcos para “navegarem” na represa.

Apesar de existirem os relaxados – aqueles que, com um pulo ou um chute destruíam a barragem –, a brincadeira levava horas, deixando mães preocupadas, pois o passear pelas águas poderia representar um pé cortado num caco de vidro. E isso, por obra e arte de Deus e do Anjo da Guarda, não acontecia. E leptospirose era doença que ninguém tinha ouvido falar.

Enquanto os barquinhos flutuavam pelas águas, apareciam novos artistas para aperfeiçoar o trabalho. Dois metros à frente, com o local já seco, construía-se outra mureta. E aí chegava o artista principal para concluir a obra: com um palito de sorvete iniciava, no pé da primeira barragem, uma escavação, criando um buraco por onde um filete de água começava a correr, em direção à outra mureta. Rapidamente o local se enchia, transformando-se num lago, a garotada movimentando a água com as mãos para fazer “ondas”, num vai e vem interminável…

Água fazendo volume, novos barquinhos de papel sendo construídos e a garotada se divertindo. Com muita inocência…

O que mais me chamava a atenção e o que mais gostava de fazer eram os barquinhos cobertos: folha de papel dobrada ao meio, a hora de fazer a seta, dobrando as pontas para fazer uma espécie de chapéu de soldadinho de chumbo, em seguida a formação de um cone, dobrando as duas pontas para dentro. Novo chapéu, novo cone e dobrando as pontas para fora. De novo um chapéu… o cone… puxam-se as duas pontas, levanta-se as duas abas internas e… pronto! O barco está pronto para entrar na água.

Duas pedrinhas para sugerir os “passageiros” e lá vai o barquinho flutuando em busca de seu destino…

Outra brincadeira que atraía a garotada era a “guerra”. Bolinhas de gude serviam de balas de canhão. Os participantes jogavam bolinhas no barquinho adversário, tentando afundá-lo, já que o peso da bolinha no papel realmente era a “morte”.

É hora de terminar a brincadeira. É hora de deixar a água subir até o alto da mureta e começar a descer do outro lado. Como uma cascata!!! O buraco no meio da mureta precisava ficar maior, o volume de água crescer na outra mureta, a cascata quase virar cachoeira, o barro amolece e começa a ceder… Barragem destruída, barcos acelerando ao ritmo da água, enquanto garotos riem, chutando barcos ou destruindo a mureta rapidamente, o poeta vê, com a destruição, a certeza de que, num outro dia, após uma nova chuva, tudo será construído novamente. Só para mostrar que depois da tempestade vem a esperança, a vida, o sol, um novo recomeço…

Nelson Manzatto é jornalista e escritor

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