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Jundiaqui

 Epidemia matou o Conde do Parnaíba
27 de maio de 2020

Epidemia matou o Conde do Parnaíba

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Uma biografia do Conde do Parnaíba publicada em 1890 por Estevam Leão Bourroul começa dizendo: “Na pacífica e pitoresca cidade de Jundiahy, uma das povoações mais antigas e ordeiras do território paulista, nasceu a 16 de agosto de 1831 António de Queirós Telles, mais tarde Barão, Visconde e Conde do Parnahyba”. Para ser mais exato, o futuro Conde do Parnaíba nasceu naquela residência senhorial, hoje convertida em museu, conhecida pelos jundiaienses como o Solar do Barão. Era o oitavo filho do Barão de Jundiaí (1789-1870).

Assumindo que Jundiaí em meados do século XIX fosse mesmo pacata e ordeira, como a descreve o velho Bourroul, então eram os filhos do Barão de Jundiaí que agitavam um pouco o pedaço. Conta Roberto Franco Bueno, que é descendente do Barão de Jundiaí, que os filhos do Barão faziam “racha” a cavalo (ainda não existia automóvel) na antiga Rua Direita, agora Rua Barão de Jundiaí. Imagino que faziam isso “botando todo mundo da calçada pra fora”, como na música do Roberto Carlos. Ao que parece, o futuro Conde do Parnaíba foi um adolescente travesso, como é saudável que fosse.

Ficou sisudo depois que, em 1850, matriculou-se na 23ª Turma da Academia de Direito de São Paulo, no Largo de São Francisco. Ou mais provavelmente depois que, ainda estudante, casou em 13.6.1854 com a ituana Rita Tibiriçá Piratininga (na verdade Almeida Prado, filha de João de Almeida Prado, que mudou o nome da família porque estava na moda orgulhar-se de ter uma dose de sangue ameríndio, paulistas quatrocentões como ele são todos descendentes dos caciques Tibiriçá, Piquerobi ou Caiubi).

Tendo recebido o canudo de bacharel em 18.11.1854, o jovem António abriu banca de advogado em Itu, onde o sogro era o mandachuva político. Ele próprio entrou para a política em 1855, quando se fez eleger deputado provincial para o biênio 1856-1857, sendo reeleito para os dois biênios seguintes. Mais tarde foi Presidente da Província de São Paulo, no período 1886-1887.

O Conde do Parnaíba dividia seu tempo entre Itu, onde constituiu família, Mogi Mirim, onde tinha uma fazenda de café no bairro da Ressaca (hoje Santo António da Posse), e Campinas, onde exerceu a presidência da Diretoria da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro nos períodos de 1872-1873 e 1880-1883. Neste segundo período, o vice-presidente era meu bisavô Zeferino da Costa Guimarães. Segundo uma biografia do Guimarães publicada por Jorge Pires de Godoy no Almanach do Amparo, de 1907, a amizade entre o Parnaíba e o Guimarães já existia pelo menos desde em 1865.

Em 27 de abril de 1888, o Conde do Parnaíba foi para o Rio de Janeiro, para despedir-se de um de seus onze filhos, Sálvio, que de lá embarcou para a Europa. Hospedou-se no Hotel Carson, na Praia de Botafogo, onde também se hospedaram os ilustres campineiros Francisco Emílio do Amaral Pompeu e António Carlos de Almeida Nogueira. Os três contraíram ali a febre amarela que os matou dias depois.

O Conde do Parnaíba retornou do Rio de Janeiro no dia 30 de abril, aparentemente bem. A doença só se agravou na manhã do dia 4 de maio. Estando ele na fazenda da Ressaca, foi transportado para Campinas pelo trem da Mogiana e levado para a chácara do genro e sobrinho Jorge Tibiriçá Piratininga, em um descampado de nome Guanabara, hoje bairro central daquela cidade. Ali morreu às nove horas e vinte minutos do dia 6, rodeado por toda a família. Lúcido até o final, manifestou o desejo de ser sepultado na Jundiaí que o vira nascer.

O desejo foi cumprido e o corpo veio para Jundiaí naquela tarde, em trem especial. Para se ter uma ideia do respeito que inspirava o Conde do Parnaíba, quem operou a locomotiva, como maquinista, foi o inspetor geral da Companhia Paulista, o Comendador Walter John Hammond. Na Estação Jundiaí (a velha, não a da Vila Arens) aguardavam todas as autoridades civis e eclesiásticas da cidade, além de parentes e amigos, alguns vindos de São Paulo, Itu e Campinas, bem como uma multidão de admiradores e de curiosos. Registra o Correio Paulistano de 24 de maio que, da Estação até o centro da cidade, o sarcófago foi carregado a mão e depositado na câmara ardente montada no palacete do irmão Francisco António de Queirós Telles. Essa palavra “palacete” sugere o Solar do Barão, mas o nome do irmão sugere a casa que depois abrigou a Escola Paroquial Francisco Telles. Deixo a pergunta para quem saiba responder.

O mesmo jornal informa que o enterro, realizado às 10 horas do dia 7, foi acompanhado por mais de mil pessoas. O caixão foi carregado até o cemitério pelo amigo Ramos de Azevedo, pelo juiz da comarca, pelo presidente da Câmara Municipal (Alfredo Maia) e demais vereadores. Mas da capela do cemitério até a sepultura foi carregado pelos irmãos do morto.

Não sei se o contágio da febre amarela só pode ocorrer por picada de pernilongo (parece que em 1888-1889 o transmissor não era o nosso conhecido Aedes aegypti, era outro mosquito), mas sei que naquela época temia-se que o contágio fosse pessoal. Assim mesmo, o funeral do Conde do Parnaíba provocou grandes aglomerações na Estação Campinas, na Estação Jundiaí e no enterro. Para concluir, fique registrado que não foram o Conde do Parnaíba e seus dois companheiros de viagem ao Rio de Janeiro, o Chico Pompeu e o Almeida Nogueira, que trouxeram para Campinas a epidemia de febre amarela que dizimou a população daquela cidade no verão de 1889. Segundo os pesquisadores, a “paciente zero” foi uma imigrante suíça de vinte e quatro anos, chamada Rosa Becker.

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é advogado e escritor

 

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