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Jundiaqui

18 de julho de 2017

Você se lembra?

Por André Kondo

É triste. Quantos amigos perdemos pelo caminho? Fui encontrado em uma rede social pela irmã de uma de minhas melhores amigas de infância. “Você vivia lá em casa! Você se lembra?”. Essa frase parece mágica: “Você se lembra?”. Como se ela fosse uma chave capaz de abrir um quartinho de brinquedos trancado há muito tempo…

Então me lembro do pátio da escola, imenso. E do chão de terra. A frondosa árvore. E uma coisa vai se juntando a outra, como um quebra-cabeças sem peças difíceis. Lembro-me das brincadeiras e dos sorrisos… e das lágrimas. Minha amiga me defendendo contra uns moleques que queriam me bater. Às vezes, eu já tinha apanhado, e ela cuidava de mim. A bandeira nacional sendo hasteada, os alunos maiores cantando o hino como se fossem à guerra. E alguns eu queria que fossem embora mesmo, para uma guerra distante, deixando o pátio da escola só para quem era da paz, como eu e minha amiga.

Sim, eu me lembrava. Mas, então, fui percebendo que aquele quebra-cabeças não seria tão fácil de ser montado. Havia algumas peças que estavam faltando. Algumas peças importantes. Como era o rosto da minha professora? Busco uma foto velha, de toda a turma reunida no pátio de terra, para ver o rosto da professora. Encontro primeiro o rosto da minha amiga e, em seguida, o meu bem próximo. Sorrio. Mas, em seguida, me espanto ao descobrir tantos outros rostos… desconhecidos. Quantos deles poderiam ter sido meus amigos, mas não foram? E quantos deles foram meus amigos, mas não são mais? Quantas peças perdidas…

A irmã da minha amiga ainda me escreve: “Ela gostava tanto de você”. E eu fiquei pensando, quando foi que deixou de gostar? Quando foi que eu deixei de viver na casa dela? Ah! Foi aos nove anos, quando eu me mudei de escola. Quem foi que se sentou no meu lugar, ao lado da minha amiga, quando eu fui embora? Lembro-me que não houve despedida. Quando a gente é criança, não se pensa muito em fins. Não sabia que ali, quando recolhi os meus cadernos pela última vez naquela escola, eu não teria mais a amizade dela. Eu começaria a ser apenas passado.

Puxo pela memória e me lembro da última vez que a vi. Já éramos adolescentes. Ela entrou no ônibus. Pensei em acenar, mas quando se é jovem a gente fica meio sem graça de fazer certas coisas. Ou talvez eu não soubesse o que dizer pra aquela moça. Afinal, o que eu diria pra ela?

Comentaria o último capítulo do Sítio do Pica-Pau Amarelo? Tentaria rabiscar o caderno dela, só pra ela fingir que ficou brava comigo? Desci pela porta dos fundos, sem dar qualquer sinal pra minha amiga. Quando saí daquele ônibus, eu percebi que já havia desembarcado da vida dela.
Pergunto à irmã como está a minha “amiga”. Ela diz que está bem, que irá vê-la naquela mesma tarde e que dirá que me “encontrou”. Diz sobre o sobrinho lindo que tem. Pergunto sobre o perfil da minha amiga no “livro de faces”. A resposta é que ela não tem mais perfil. Que um dia teve, mas que o deletou. E assim eu fico sem saber como ela é hoje. Qual o rosto dela depois de tantos anos? Em seguida, percebo que isso não importa. Afinal, essa face atual não é mais a da minha amiga. Mandei um abraço pra ela, por intermédio da irmã. Algum tempo depois, recebo um abraço-resposta, sem calor, virtual e burocrático: abraço-distância.

Triste? Não. Isso não é triste. Não estou triste por não tê-la visto adulta. E fico feliz por não ter acenado para aquela versão jovem da minha amiga. Eu me lembro sim. Eu me lembro do sorriso dela, de dentes tortos de criança, um dos dentes faltando… deixando uma janelinha para o passado. E fico ainda mais feliz por saber que nunca me despedi daquela menina, que está sentada ao meu lado, até hoje, no banco da infância.

André Kondo é escritor

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