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Jundiaqui

 Quando o “normal” é uma doença
1 de junho de 2017

Quando o “normal” é uma doença

Cláudia Bergamasco escreve sobre vivermos a Normose, ou Patologia da Normalidade

Em um dos meus caminhos pela cidade, vi um acidente de carro. Não me pareceu grave. Polícia e muita gente curiosa em volta, todos fazendo selfies e fotos dos motoristas e dos carros destruídos. O interessante de contar esse fato aqui foi um vídeo que recebi de um amigo um dia antes do acidente.

O filminho mostra os habitantes de uma cidade inteira descolada da realidade. Olhos apenas para aparelhos celulares e tablets. Conversas entre pessoas lado a lado feita por aplicativos. Uma menina prestes a cometer suicídio e uma multidão lá em baixo do prédio esperando que ela pule para fotografar. De fato, ela pula, morre.

Sem demonstrar quaisquer sentimentos, tiram mais fotos e vão embora. Alguém está sendo espancado e um bando de gente filma, fotografa e não faz nada para apartar a briga.

Um mundo onde selfies, likes e imagens de pessoas perfeitas, situações perfeitas são o ideal de vida dos habitantes da cidade desse vídeo. Essa situação lhe parece familiar?

O amigo que me enviou o vídeo rebateu a minha resposta (“triste realidade”) com um argumento indiscutível. Não se trata de uma triste realidade, mas da parte podre da sociedade. Aquela interessada apenas no próprio umbigo.

Deixe-me explicar que não sou contra o avanço da tecnologia, muito pelo contrário. Mas, se a tecnologia nos faz cárcere dela, então não é bom. Se você vive com os olhos grudados no celular, checa suas mensagens a cada cinco minutos e vive postando selfies e locais onde está, opa! A luz vermelha está acesa.

A mim, parece ser um sinal claro de carência, de fraqueza, uma necessidade imperiosa de aceitação pelos seus pares e também de autoafirmação. Como se você não estivesse de fato no local onde está se não disser para sua larga rede de “amigos” virtuais onde você está fisicamente. Alô, psicoterapeutas!

Esse comportamento absurdo, de não olhar para a pessoa que está ao seu lado e nem ajudar alguém em uma situação como a do acidente de carro que presenciei, e, sim, preferir fazer selfies e fotos do acontecimento e postar tudo nas redes sociais, tem um nome. Chama-se Normose, ou Patologia da Normalidade, conforme classificam cientistas sociais e psicólogos. Em resumo, a humanidade pode estar sendo acometida por uma epidemia global, uma obsessão doentia por ser “normal”.

Segundo resumiu esse amigo para mim, “a normose é provocada, em parte, pelo modelo de comunicação social lastreado na persuasão e voltado para consolidar regimes econômico ou políticos. Já está intuída nas obras de Chaplin, Huxley, Lobato, nas décadas de 1920, 30, 40 e McLuhan um pouco depois. As pessoas não são, mas ficam condicionadas pela ascendência.” Nesse caso, do uso obsessivo da tecnologia, que cega e pode matar se você estiver “fora dos padrões”.

Eu pesquisei um pouco e achei um conceito cunhado pelo psicólogo e educador francês Pierre Weil. Segundo ele, é normal o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou agir que são aprovados por consenso ou pela maioria. Ou seja: o que é patológico é definido como algo que causa sofrimento e morte; o que é “saudável” gera bem-estar e qualidade de vida. Por isso a expressão “parte podre da sociedade” usada pelo meu amigo, da qual compactuo.

É comum justificar a manutenção de um comportamento não saudável por ser normal, algo que “todo mundo faz”, porém essa justificativa é falaciosa e acaba apenas perpetuando uma sociedade cheia de normoses ou sociopatias.

Mas, por que diabos tanta gente segue um modelo tão nefasto? Escancarar a vida nas redes sociais é mais legal do que viver a vida de fato? Por isso se diz que esse que eu chamo de comportamento doentio são “hábitos considerados normais pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos em graus distintos” e, segundo especialistas, “nos levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida.”

É de ficar embasbacado. É um comportamento absurdo, louco. Quem questiona os normóticos é um ponto fora da curva? Aquele indivíduo que, como eu, não se enquadra em nenhum tipo de estatística do IBGE é “anormal”? Não. Na minha opinião de cidadã perplexa com a situação, esse comportamento cerebral é doentio.

Particularmente, eu não me enquadro entre os “normais”, segundo a normose. Defendo a evolução e a inteligência. Sou, de fato, um ponto fora da curva. E você? É normótico e admite que é ou acha que está entre os normais de fato?

Antes de responder, faça uma boa análise de consciência. Depois você me conta.

Cláudia Bergamasco é jornalista e escritora

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