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Jundiaqui

 Entrevista – SOS, o viva-voz da pessoa em situação de rua
10 de julho de 2020

Entrevista – SOS, o viva-voz da pessoa em situação de rua

Psicólogo Felipe Rodrigues Teixeira fala sobre o trabalho em Jundiaí em tempos de pandemia do novo coronavírus

Rita Cerioni

“Não é preciso dar voz às pessoas em situação de rua, é preciso dar um lugar para que sejam ouvidas, porque voz elas têm”. Quem garante é Felipe Rodrigues Teixeira, psicólogo do Serviço de Obras Sociais (SOS) de Jundiaí, nesse bate-papo exclusivo para o JundiAqui.

O SOS é um dos equipamentos que fazem parte da rede de assistência às pessoas que vivem em situação de rua. Embora no senso comum ainda se utilize “morador de rua”, essa expressão é equivocada, já que a rua não pode ser vista como uma moradia. A pessoa que tem a rua como seu “endereço” é aquela que está em uma situação de extrema vulnerabilidade, mas que pode, em algum momento, mudar essa situação. Felipe atenta que a palavra “morador” tem um tom de fixo, e situação de algo mutável.

Em Jundiaí existem algumas instituições que dão respaldo à população em situação de rua, e o SOS é uma delas. O serviço tem dois equipamentos. Um é a Casa de Passagem, que oferece café da manhã, almoço, jantar, pernoite, atendimento técnico e orientações. Essa casa tem capacidade de atender 32 pessoas por dia, homens, mulheres e trans, e difere de abrigo por ser, como o nome diz, de passagem, ou seja, a população passa pelo SOS onde é feito todo um trabalho a partir das demandas de cada pessoa. Conta com uma equipe técnica composta por psicólogo, assistente social,terapeuta ocupacional, coordenadora social, cuidadores que prestam atenção e estimulam os autocuidados.

O outro equipamento é o SEAS (Serviço Especializado em Abordagem Social), composta também por uma equipe especializada que chega até aquela pessoa que está em situação de rua e não procurou o SOS ou outra instituição. O SOS funciona em parceria com a prefeitura, através de um convênio firmado com a Unidade de Gestão de Assistência e Desenvolvimento Social. Fazem parte ainda da rede três abrigos e uma república.

No inverno foi criado pela UGADS um abrigo na Vila Aparecida para acolher as pessoas que os equipamentos já estruturados não conseguem dar conta. Durante a operação, quando o termômetro baixa, as equipes do SEAS e do Centro POP, que é um equipamento público coordenado pela UGADS, por meio da diretoria da proteção especial do município, vão para a rua para oferecer abrigo para as pessoas.

Perfil da população em situação de rua

Não é possível estimar o número exato de pessoas que vivem atualmente nas ruas. O perfil populacional é predominantemente homens (80%), com idade entre 25 e 35 anos.

O preconceito faz com que muitos vejam essas pessoas como marginais, drogados, vagabundos. Segundo Felipe, que já atendeu mais de 3.000 pessoas desde que entrou para o SOS há 3 anos, a imensa maioria (para não dizer todos) tem uma história de vida muito complicada, perda de trabalho, laços afetivos rompidos, história de violência e abandono, escolaridade baixa, uso de substância psicoativa e desemprego.

A Casa de Passagem atende pessoas vindas de todas as regiões do Brasil que buscam em Jundiaí um trabalho, um lugar para tentar sobreviver, e não para viver exatamente. Viver, aliás, é uma palavra de luxo para quem não tem o mínimo. Em todos os casos há uma proposta de reinserção ao convívio familiar, desde que haja possibilidades para isso e a pessoa manifeste esse desejo. Felipe trabalha ativamente nesse projeto. Ele conta sobre um assistido que, em situação de rua há anos, teve sua história resgatada através do contato com um irmão que morava em outro estado. No trabalho foi realizado pela equipe, Felipe viajou até esse estado e fez todo processo de reinserção familiar.

Essa proposta é realizada também com pessoas que estão em situação de rua, mas têm família ou alguma raiz em Jundiaí. Não é possível estimar quantos são de fora e quantos são daqui, mas Felipe alerta que a sociedade tende a usar a pessoa em situação de rua para expiar o mal de uma cidade, e que essa é uma visão higienista, ou seja, vamos “limpar” a cidade mandando essas pessoas de volta aos municípios de onde vieram. A sociedade em geral rejeita, não levando em conta que são pessoas, são trabalhadores (sim, muitos estão em situação de desemprego), têm sonhos, angústias e histórias. Felipe procura construir junto com essas pessoas ações que as auxiliem de verdade.

Além da reaproximação familiar, desenvolvem um projeto voltado para a reinserção ao mercado de trabalho, cada vez mais escasso, com orientações, formulações de currículo, treino para entrevista.

A saúde dessa população é precária, tornando-se também um foco de atenção e preocupação. Há todo um trabalho em rede com os ambulatórios, com a faculdade de medicina, o NIS (Núcleo Integrado de Saúde) e os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) para tratar as mais diversas doenças físicas e mentais.

Os transtornos mentais são capítulo à parte. Depressão, ansiedade, transtornos de personalidade, dependência química, esquizofrenia precisam ser diagnosticados e tratados em equipamentos de saúde próprios, daí a importância do trabalho em rede. Jundiaí é uma cidade que se movimenta muito bem nesse sentido, não só através das ações do município, mas também da população que ajuda, embora, e aqui é uma nota da redação, historicamente uma parcela dessa população queira e exclusão das pessoas em situação de rua com campanhas e abaixo-assinados para que as instituições que oferecem atendimento não se estabeleçam na vizinhança.

Covid-19

A pandemia não veio escancarar só o problema de saúde, mas descortinou um problema que mata mais que a Covid-19, como a pobreza, a miséria, a falta de saneamento básico, de acesso à rede básica de saúde, a desigualdade, potencializou a doença social e banalizou a morte, jogando luz à vários problemas do país.

Em todos os equipamentos de assistência há a distribuição de máscaras, álcool em gel e, principalmente, orientação em relação ao isolamento social. A grande maioria entende perfeitamente a situação, e tenta proteger a si e aos outros, ao menos dentro do SOS. As orientações são dadas todos os dias, no café da manhã, no almoço, no jantar e eles assistem TV. Eles são bem antenados, e a dificuldade é a mesma que tem a população em geral, de usar máscara, afirma Felipe.

Algumas oficinas e atividades em grupo foram suspensas, e eles têm se reinventado para manter a assistência.

Empresas e a população têm feito doações de máscaras e álcool em gel, o que tem ajudado significativamente no combate. Não há registros de covid-19 nos assistidos do SOS, o que não quer dizer que não há casos positivos na população em situação de rua.

Dentre os motivos que levam uma pessoa à situação de rua, Felipe destaca três: desatenção familiar, desemprego e uso de substância psicoativa como álcool, por exemplo. A dependência química é o último problema que interfere nessa condição. O problema maior é a falta de perspectiva, a perda de sonhos, ausência de projetos, e as drogas, lícitas ou ilícitas, entram como causa ou como consequência. O uso de drogas, às vezes, é a única fuga para uma situação tão angustiante.

Conversando com essas pessoas, Felipe relata que uma frase muito comum é “perdi minha dignidade”, e ele rebate: “A dignidade é inata, não se perde. Todo mundo tem dignidade. O ser humano não tem valor, tem dignidade”.

Rita Cerioni é psicóloga e professora

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