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Jundiaqui

 Peixes ainda não foram ‘ouvidos’ na Serra do Japi
19 de maio de 2020

Peixes ainda não foram ‘ouvidos’ na Serra do Japi

Por José Arnaldo de Oliveira

 

Depois de sete anos desde as primeiras sondagens, em parte com as pernas dentro de riachos da Serra do Japi para fazer coletas, a bióloga Cláudia Eiko Yoshida concluiu em 2011 o seu doutorado com um alerta científico: o sistema de proteção da serra precisava ser ajustado para a biota aquática de peixes e invertebrados.

Como outras constatações, a sua pesquisa mostrou algo que parece óbvio apenas depois de ser registrado. A maior quantidade de seres que vivem nas águas da serra está nas partes mais baixas. E não seria exagero brincar que os peixes não possuem pernas para escalar as cachoeiras e obstáculos.

“A qualidade das águas tem uma média geral ótima, mas é possível notar uma certa degradação ao se encaminharem para fora das áreas”, dizia Cláudia, que defendeu a tese de adequação dos indicadores de qualidade ambiental na em Botucatu, na Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Foram registradas 31 espécies de peixes na pesquisa, identificadas pela colega Ana Paula Rios Rolla, mas foram 138 unidades taxionômicas. Em outras palavras, o número de espécies podia ser ampliado por novos exames.

VULNERÁVEIS – Entre as espécies encontradas, o Neoplecostomus paranensis (um tipo de cascudinho que era conhecido só no rio Paraíba do Sul) e o Pareorhina spn (outro peixinho em análise no Museu de Biologia da USP para confirmar se é ainda não descrito na ciência) já constam na Lista Vermelha do Estado de São Paulo, entre as ameaçadas de extinção.

“A dieta de todos varia entre insetos e detritos de folhas em decomposição”, afirmou Cláudia. Mas para isso dependem de águas em ambientes de alta qualidade de preservação.

No caso dos primeiros, as larvas de mosquitinhos são os alimentos mais suculentos. E os animais se adaptam ao clima sazonal, sendo mais numerosos com a oferta de alimento do inverno, quando a floresta solta parte das folhas (por issou é chamada floresta semidecidual).

Para a pesquisadora, que publicou depois no livro “Novos Olhares Sobre a Biodiversidade”, a ausência de dados nesse setor de biota aquática também ocorria porque a maioria dos trabalhos é feito na Rebio (Reserva Biológica), de mais altitude, e essa fauna está praticamente fora dessa reserva – e em alguns casos, também fora da área tombada, na área de amortecimento da lei municipal 417.

O desafio era achar patrocinador para o mapeamento intensivo desse tipo de ecossistemas em toda a serra. E continua sendo.

SISTEMA – O sistema de conservação avançou com os anos desde as passeatas ecológicas de 1978.

Pense o sistema de conservação da Serra do Japi como uma série de círculos na água. Ao centro, pode estar a Rebio (Reserva Biológica Municipal). Depois, a área tombada como Patrimônio Natural Estadual. Em seguida, zonas de amortecimento municipal do Território de Gestão. Finalmente, os municípios inteiros de Jundiaí, Cabreúva e Cajamar como APA estadual (Área de Proteção Ambiental). E, para terminar, tudo ligado dentro da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo.

A pesquisa citada foi um peixe que saltou fora desse centro, formando novos círculos para propostas de conservação dessa mancha de mata atlântica de importância nacional.

Por um lado, valorizou as zonas de amortecimento criadas em 2004 por Jundiaí na Ermida, Malota e Terra Nova e vizinhas ao avanço de condomínios fechados que cresceram no apelo ambiental conquistado ao longo do tempo – mas exigem controle para não virarem barreiras. Isso mostrou que ajustes foram necessários nas revisões dessa parte do Plano Diretor – e ainda novos cuidados na política de captação de água da serra em andamento.

“Existem espécies que são endêmicas de riachos, ou seja, só existem ali”, explicava Cláudia.

As pesquisas também colaboraram com as análises sobre novas unidades de conservação que possam surgir como complemento do sistema atual, que conta com guardas florestais.

Um exemplo nesse assunto é o estudo de um ou mais parques estaduais, proposta feita já em 2005 pelos pesquisadores Eliana Cardoso-Leite, Maria Inez Pagani, Reinaldo Monteiro e Diana Sarita Hamburger (da própria Unesp e das Faculdades Senac).

O ecossistema pede ações de bom senso.

A banca de especialistas do exame da pesquisa dos peixes já recomendava que o estudo da interação entre peixes e invertebrados pudesse ser expandido para incluir mamíferos, aves e répteis. Os anfíbios até surgiram nas coletas, incluindo um anuro (razinha) que era considerada desaparecida nesta parte do país”, dizia Cláudia.

LUGAR ÚNICO – O professor João Vasconcelos Neto, do Instituto de Biologia da Unicamp, concluiu há alguns anos o livro “Novos Olhares Sobre a Biodiversidade”.

O livro é o segundo grande esforço científico sobre a área. O primeiro, “História Natural da Serra do Japi”, foi organizado por Patrícia Morelato e Hermógenes Leitão em,1992 e está esgotado.

“Uma das coisas fantásticas é que a serra é o único lugar do mundo com 6 espécies de aranhas sociais, vivendo em colônias com algum tipo de arbitração”, explicava sobre as surpresas naturais.

Outras, já conhecidas, são insetos perfeitamente camuflados nas cascas de árvores ou vespas que colocam seus ovos em outros insetos (como as próprias aranhas).

“Temos espécies de samambaias que são relíquias de tempos frios e secos. Uma delas existia apenas na Serra dos Órgãos e está ameaçada de extinção”, explica o pesquisador.

Para ele, que é favorável ao estudo de novas unidades de conservação como parques nos municípios que formam a serra, a pesquisa ainda tem muito a descobrir e cita a circulação de vida no “corredor” formado com as serras da Cantareira e Mantiqueira.

“Temos tanto a diversidade de espécies como de habitats e suas conexões. É uma área muito especial”, disse.

Nada continua tão urgente como ouvir os peixes e animais aquáticos. E, como diz o filósofo Bruno Latour, é papel da ciência dar voz aos seres não-humanos com que compartilhamos este mundo.

ONÇA “FALA” NO CAXAMBU – Por outro lado, em novembro de 2019 um grupo de onças foi registrado no outro extremo da APA Jundiaí, mostrando que a biodiversidade é uma questão do município inteiro.

Um anúncio sobre um grupo de pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp) no dia 30 do mesmo mês, liderados por Eleonore Setz, chegou a ser veiculado pela Prefeitura. Mas o assunto não teve mais divulgação. Está na hora.

A natureza nos pede coragem, carinho e autocrítica. À beira do aprofundamento da mudança climática, conseguimos cultivar esses valores em meio à pandemia? É possível.

Relembre a onça no Caxambu.

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