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 A história de Jundiaí nos arquivos do Vaticano
5 de setembro de 2020

A história de Jundiaí nos arquivos do Vaticano

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

A campanha pela canonização do Padre Anchieta (1534-1597) começou em 1617. Ele foi declarado venerável em 10.8.1736, beato em 22.6.1980 e santo em 3.4.2014. Os arrastados processos canônicos que conduziram a esse resultado estão guardados nos arquivos do Vaticano e constituem uma fonte primária importante para a história do Brasil, do Estado de São Paulo e da nossa Jundiaí.

Isso porque o processo apostólico propriamente dito foi precedido por diversos “processos informativos”, nos quais foram ouvidas, em diferentes lugares, testemunhas que conheceram o Padre Anchieta, conviveram com ele e presenciaram suas virtudes heroicas e seus primeiros milagres.

O Padre Hélio Abranches Viotti S. J., que ocupou a cadeira nº 9 da Academia Paulista de Letras, desempenhou um papel importante nas últimas fases do processo.

Padre Viotti teve acesso aos arquivos secretos do Vaticano e divulgou, para uso dos estudiosos de história e de genealogia, os nomes e a qualificação das testemunhas que depuseram nos processos informativos, e trechos dos depoimentos (Revista da ABRASP – Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia, volume 3, páginas 9 a 56, disponível na Internet).
Entre essas testemunhas, vamos encontrar Mateus Luís Grou, um dos primeiros moradores de Jundiaí (cf. Mário Mazzuia, “Jundiaí através de documentos”), onde morreu em 1658, com mais de 80 anos, pois no depoimento prestado em 7.4.1622, declarou ter então 44 anos. Por esse depoimento, ficamos sabendo que Mateus Luís Grou foi aluno do Padre Anchieta no colégio dos jesuítas, em São Paulo, e acompanhou o santo em muitas caminhadas.

Podemos acrescentar que Mateus Luís Grou foi um bandeirante ativo, que já em 1607 participou de uma bandeira ao sertão dos índios bilreiros, depois participou das bandeiras que foram ao Guairá em 1623 e 1628 (comandadas pelo Capitão Manoel Preto), e de uma bandeira que foi por mar ao atual Rio Grande do Sul, em 1635 (cf. Francisco de Assis Carvalho Franco, “Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil”).

A mesma fonte informa que ele obteve, em 1632, uma sesmaria em Juqueri Mirim, portanto muito próxima, senão pegada, às sesmarias de Petronilha Antunes e do pai dela, o Capitão Manoel (Antunes) Preto. Podemos, assim, concluir que Mateus Luís Grou foi morador no Sertão do Jundiahy desde 1632, embora seja incerta a data em que veio residir no primitivo arraial jundiaiense, uma vez que quase todos os títulos de propriedade expedidos pela Câmara em 1657 apenas legalizaram ocupações já existentes de fato pelo menos desde 1651.

Dentre os sete filhos de Mateus Luís Grou e sua mulher Isabel de Pinha, a filha Maria Luís (Grou) casou com José de Oliveira d’Horta, meio-irmão do segundo Rafael de Oliveira, e a filha Isabel de Pinha (Grou) casou com Manoel Antunes Preto, sobrinho-neto de Petronilha Antunes, lembrando sempre que Petronilha Antunes e o segundo Rafael de Oliveira são considerados os fundadores “oficiais” de Jundiaí, por haverem, com as respectivas famílias, patrocinado a construção da Matriz, em 1651.

Este segundo Rafael de Oliveira e sua mulher, Maria Ribeiro, foram pais de Ana Maria Ribeiro, casada com João Leme do Prado, um dos primeiros moradores de Jundiaí, que também está de certa forma ligado aos processos informativos que precederam o processo de canonização do Padre Anchieta, pois nesses processos prestaram depoimentos o pai dele, Pedro Leme (casado com Helena do Prado), a avó paterna, Leonor Leme, a avó materna, Filipa Vicente (casada com João do Prado), e os tios Mateus Leme e Aleixo Leme. Esses depoimentos fornecem informações a respeito da idade e local de nascimento dos depoentes, que são valiosas para os genealogistas, pois todos os paulistas quatrocentões, aí incluídos naturalmente os de Jundiaí, descendem, por um costado ou por outro, dos primeiros Leme e dos primeiros Prado.

Mas, para os leitores do JundiAqui, interessa mais o que essas testemunhas disseram a respeito do nosso santo Padre Anchieta. Disseram muita coisa, então eu escolhi só dois exemplos.

Filipa Vicente já fora desenganada por três médicos quando o Padre Anchieta a curou de um abcesso, primeiro orientando uma cirurgia e depois fazendo secar instantaneamente a ferida.

Leonor Leme, que assistiu à primeira missa do Padre Anchieta, celebrada em 1567 (quando chegou ao Brasil, em 1553, ele ainda não era padre, era noviço), conta um episódio mais curioso.

Durante uma festa religiosa, na virada de 1576 para 1577, foi encenado, no adro da igreja de São Vicente, onde moravam os Leme, um auto (texto para teatro) escrito pelo Padre Anchieta em duas línguas, português e a língua geral dos índios, uma vez que os atores seriam portugueses e índios, irmanados na mesma religião. Daí o título do auto ser “Pregação Universal”. Entre os atores de sangue português estavam os jovens Aleixo Leme e Pedro Leme.

Quando o espetáculo estava para começar, formou-se ali uma nuvem tão escura que todos os presentes ficaram inquietos, querendo pôr-se ao abrigo da tempestade iminente. Porém o Padre Anchieta disse que não se inquietassem, porque não iria chover enquanto não terminasse a apresentação (que durou três horas). E de fato o temporal só desabou depois que todos já estavam abrigados em suas casas. Milagre ou meteorologia?

Fonte consultada: Manoel Valente Barbas, “Os Leme, tangidos para o Brasil pela história”, Revista da ABRASP, volume 3, páginas 61 a 94, disponível na Internet.

Sempre é bom saber que esses e outros dos nossos ancestrais conviveram bastante com o Padre Anchieta. Talvez por existir em Jundiaí um grande número de descendentes de pessoas que conviveram com ele, o santo olhe com simpatia para esta cidade e proteja todos os jundiaienses, mesmo os que não acreditam em santos protetores. Eu acredito.

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é escritor e advogado

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One thought on “A história de Jundiaí nos arquivos do Vaticano

Não sei se ele tinha parentesco com nosso Mateus Luís Grou, mas o padre jesuíta francês
Jean Nicolas Grou também foi um ser humano muito especial. Escritor e tradutor, suas obras são recomendadas para o fortalecimento da capacidade de oração e reflexão espiritual diária.
https://cultordelivros.com.br/autores/jean-nicolas-grou/

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