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Jundiaqui

 Os ossos do Barão
30 de outubro de 2020

Os ossos do Barão

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

Em 1963, o Teatro Brasileiro de Comédia encenou a peça “Os ossos do Barão”, escrita por Jorge Andrade e dirigida por Maurice Vaneau. Foi um sucesso estrondoso, em grande parte graças ao desempenho magnífico do ator ítalo-paulistano Otello Zeloni, que parecia haver nascido (em Roma) para aquele papel.

Dez anos depois, a Rede Globo converteu “Os ossos do Barão” em telenovela, reescrita pelo próprio Jorge Andrade e dirigida por Régis Cardoso, com Lima Duarte no papel principal.

Resumindo drasticamente o enredo, Egisto Ghiroto era um imigrante italiano que começou a vida peneirando café na fazenda do Barão de Jaraguá, depois enriqueceu e, para assumir uma posição social condizente com a sua nova fortuna, comprou a fazenda que fora do Barão. Como não deu resultado, ele teve a ideia de casar o filho na descendência do Barão. Para estabelecer contato com a família baronal, publicou nos jornais um aviso de que pretendia despejar os ossos do Barão, que estavam enterrados na capelinha da fazenda. O estratagema deu certo e, depois das peripécias que fazem o recheio do enredo, o casamento se realizou.

Jorge Andrade conhecia muito bem os preconceitos da velha aristocracia cafeeira de São Paulo em relação aos imigrantes italianos, pois era de uma família assim.

Quanto à luta dos imigrantes italianos enriquecidos para serem aceitos na alta roda da sociedade paulista, Jorge Andrade retratou o caminho mais difícil: o casamento. O caminho mais fácil eram doações polpudas e ostentosas. Francesco Matarazzo, que começou a ganhar dinheiro vendendo banha de porco em Sorocaba, criou um vasto complexo industrial e, por doações de alimentos durante a Grande Guerra, foi feito conde pelo Rei da Itália. Rodolfo Crespi converteu a tecelagem do sogro, na Mooca, em um grande cotonifício, criou um banco, patrocinou a criação do Clube Atlético Juventus, a criação do Colégio Dante Alighieri e a criação do Circolo Italiano, e também acabou conde italiano.

O Comendador Giuseppe Martinelli foi mais criativo: investiu rios de dinheiro na construção do monumental Edifício Martinelli, projetado pelo arquiteto húngaro Vilmos Fillinger. A construção demorou de 1922 a 1929, mas resultou no primeiro arranha-céu de São Paulo. Durante muitos anos, foi o prédio mais alto da América Latina.

O Edifício Martinelli foi o marco arquitetônico de que São Paulo havia-se tornado a metrópole do Brasil. Os cariocas ficaram mordidos de despeito. E com isso o Comendador Martinelli conseguiu ser bem aceito na fechadíssima sociedade paulista.

Ser aceito na alta roda era uma coisa, casar nessa roda era outra bem diferente. Em 1914, quando Fábio Prado, bisneto do Barão de Iguape, casou com Renata Crespi, filha do milionário Rodolfo Crespi, isso foi um escândalo em São Paulo. Fábio Prado passou a ser visto pelos próprios parentes como a ovelha negra da família, e outras famílias igualmente empertigadas só se referiam a ele, ironicamente, como o Fábio Crespi. Renata, que era uma mulher inteligente, soube vencer esse preconceito.
Não sei se o Jorge Andrade se inspirou nesse fato. Quando estive com ele, na casa do Chicão Almeida Prado (conhecido na FADIPA como Chico Metralha, porque falava muito depressa), não perguntei. Agora, só se perguntar em algum centro espírita.

Muitos outros autores abordaram o tema da integração do imigrante italiano na sociedade paulista, mas ninguém o fez com a amplitude e a profundidade de pesquisa de Mário Carelli no livro “Carcamanos & Comendadores”. O título sugere uma abordagem humorística, mas não é assim. Trata-se da tradução de uma tese escrita originalmente em francês, para a Universidade de Paris. Só a bibliografia ocupa vinte páginas e é, em grande parte, rara e de difícil consulta.

A leitura de Carelli, somada à lembrança da peça “Os ossos do Barão”, despertou em mim a curiosidade de procurar, na descendência do Barão de Jundiaí, qual foi o primeiro casamento com um ou uma descendente de imigrantes italianos.

Em uma pesquisa feita apenas em livros de genealogia, é difícil afirmar com certeza qual foi esse primeiro casamento, porque nem todas as datas de casamento estão mencionadas nos livros. Comparando as datas disponíveis, parece que o primeiro foi o casamento de Hilda Leite de Barros com Afonso Colaferri.

Hilda Leite de Barros era filha do Coronel Oscar Leite de Barros e de Rita de Queiroz Guimarães (nascida em 1863), neta materna do Capitão Adolfo Carlos Guimarães e de Escolástica de Queiroz (1840-1912), bisneta de Joaquim Benedito de Queiroz Telles, Barão de Japi (1819-1888), e trineta de António de Queiroz Telles, Barão de Jundiaí (1789-1870).

Quanto ao marido, imaginei que fosse parente próximo do conceituado historiador jundiaiense Armando Colaferri. Mas, com o auxílio do Celso Francisco de Paula, que é amigo dos Colaferri, descobri que não. Aquele Afonso Colaferri que casou com uma bisneta do Barão de Japi era de uma família de Campinas, onde o casamento ocorreu.

Em Jundiaí só existem Colaferri por um erro de cartório. O ancestral italiano chamava-se Pasquale Colaferro, nascido em Montalcino, onde se produz o famoso vinho Brunello di Montalcino (em torno de R$600,00 a garrafa). Pasquale (traduzido para Paschoal) casou com Elide Guerrazzi e teve cinco filhos: Armando, Maria do Carmo, Jacy, Raimundo e João. Por erro do cartório, parte desses filhos foi registrada com o nome Colaferri, outra parte conservou o nome Colaferro. É a mesma família.

Quanto aos ossos do Barão de Jundiaí e do Barão de Japi (foto do mausoléu), não se preocupem. Não estão enterrados em uma capelinha de fazenda, estão bem seguros no Cemitério de Nossa Senhora do Desterro, nos marmóreos sepulcros da família Queiroz Telles.

Foto: colaboração Vladimir Bedin

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