LOADING...

Jundiaqui

 Para estrangeiros eu não vendo
10 de agosto de 2020

Para estrangeiros eu não vendo

Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello

A construção civil só se expandiu em Jundiaí depois dos anos quarenta do século passado. Até pelo menos aqueles anos quarenta, a oferta de imóveis residenciais era mínima, era muito difícil encontrar uma casa à venda.

A partir de 1939, Pedro Menten começou a comprar terras na Várzea, que ainda era um distrito rural de Jundiaí, e, como estava transferindo seus negócios para cá, começou também a procurar uma casa para comprar no centro urbano do município. Ficava hospedado no Hotel Petroni enquanto não aparecia uma casa à venda. Demorou bastante, mas por fim apareceu uma. Pedro Menten foi até lá e tocou a campainha. Uma senhora abriu só o postigo que havia na porta e perguntou o que ele queria.

– A senhora está vendendo esta casa?

– Estou. Mas para estrangeiro eu não vendo.

E bateu o postigo na cara dele. Pedro Menten, é claro, ficou injuriado, até porque ele era brasileiro, nascido e criado em São Paulo, mas era filho de alemães e tinha mesmo jeito de alemão: cabelo louro, olhos azuis, pele rosada e modos extremamente formais. Não saía de casa sem paletó, colete, gravata e chapéu.

Nem todos os alemães são louros como ele era, porque o antigo Sacro Império Germânico foi formado por diferentes povos: saxões, bávaros, francos e vários outros. Os Menten eram originalmente frísios, uma tribo germânica que existiu no litoral do Mar do Norte, entre a atual Holanda e a atual Dinamarca. O que ainda resta da Frísia tornou-se uma província da Holanda, e os frísios agora são holandeses com dialeto próprio.

No século XVI, por causa das guerras de religião, os Menten protestantes continuaram na Holanda e os Menten católicos migraram para a Renânia, fixando-se na região de Zell, na margem esquerda do Rio Mosele, onde se tornaram plantadores de uva e produtores de vinho zeller.

Já no século XIX, foi a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) que motivou a vinda para São Paulo de Miguel Menten, com a mulher Catarina e um bando de filhos, porque alguns desses filhos estavam em idade de convocação militar. Em São Paulo, Miguel Menten comprou uma área grande de terras na margem direita do Tietê, onde hoje ficam o Center Norte, o Lar Center e, um pouco mais adiante, a Rua Miguel Menten.

Como as parreiras trazidas da Alemanha não se deram bem na várzea do Tietê, o filho João Menten desistiu de ser vinhateiro e montou uma fábrica de cerveja, que já estava funcionando em 1872. Segundo um manuscrito do Prof. Carlos Fouquet, que eu consultei há muitos anos no Instituto Martius-Staden (não sei se foi publicado depois), essa foi a terceira mais antiga fábrica de cerveja de São Paulo. A mais antiga foi a de Heinrich Schönburg, na Estrada da Penha (hoje Avenida Celso Garcia), e a segunda foi a de Liborius Goldschmidt, no atual Parque da Água Branca.

Dom Pedro II, em uma de suas vindas a São Paulo, foi homenageado pela colônia alemã e, para retribuir essa homenagem, visitou no dia seguinte, sem aviso prévio, as diversas fábricas de alemães ou filhos de alemães.

Chegando assim inesperadamente na fábrica de João Menten, o Imperador provou a cerveja em uma caneca rústica de estanho, porque a velha Catarina mantinha as canecas finas de porcelana trancadas a chave. O motivo é que quando aquela alemãozada alegre festejava alguma coisa, batiam as canecas com tanta força, ao brindar “zum Wohl” (saúde), que quebraram várias.
João Menten casou em 25.1.1882, na Igreja de Santa Ifigênia, com Elisabeth Konen, que já fora namorada dele quando ainda moravam na Alemanha, e que ele reencontrou em São Paulo. Uma história romântica, mas infelizmente os pormenores foram esquecidos pelos netos. Desse casamento nasceram seis filhos, entre os quais aquele Pedro Menten que não conseguiu comprar uma casa em Jundiaí.

Pedro Menten havia sido sócio, em São Paulo, da Fábrica Teuto-Brasileira de Caixas de Papelão (Irmãos Menten &, Cia.), que prosperou com a patente de uma invenção dele: aquelas caixinhas de papelão com encaixes de cartolina, próprias para embalar de forma segura as frágeis ampolas de vidro dos medicamentos injetáveis. Foi com o dinheiro da venda de sua participação nessa indústria que Pedro Menten comprou uma boa fatia da Várzea, começando em 1939 pela Granja Santa Teresinha, hoje loteada como Parque Petrópolis.

Mas, como visto, casa no centro urbano de Jundiaí ele não conseguiu comprar, e foi obrigado a reformar a velha sede da Granja Santa Teresinha. O filho Ovídio Menten, que era o braço direito do pai, também construiu uma casa lá.

Nos anos quarenta, morar na Várzea era um problemão, porque quando chovia a estrada virava um lamaçal onde até a Rural Willis do meu sogro Ovídio Menten atolava. As pessoas precisavam deixar os automóveis na Vila Arens e fazer o resto do percurso em charrete ou a cavalo. Assim mesmo, Pedro Menten vinha todo dia ao centro, para tratar dos negócios, trazido pelo filho Ovídio, porque ele não dirigia. Como era fácil estacionar na Rua do Rosário, o carro ficava sempre em frente ao prédio da Light. E a rotina era invariável: primeiro ele ia à igreja (hoje catedral), onde ficava sempre no mesmo banco, depois ia à agência do Banco Comind. Às quartas-feiras ia ao escritório do advogado Dr. José Romeiro Pereira (mais tarde ao do Dr. Altamir de Almeida Goulart). Também frequentava regularmente o escritório de contabilidade de Marino Mazzei e Evanir Fossen (que abriu escritório próprio em 1955).

Mesmo com a estrada ruim, a pontualidade germânica de Pedro Menten era proverbial. As pessoas podiam acertar o relógio pelo momento em que ele entrava na agência do Comind.

Mais tarde, Pedro Menten encasquetou de não deixar mais o carro em frente ao prédio da Light. Ovídio Menten então passou a estacionar todo dia na Rua Onze de Junho, na altura do Clube Jundiaiense, bem em frente à casa do meu amigo Tarcísio Germano de Lemos. E, como Ovídio geralmente se demorava um pouco mais na cidade, Pedro Menten, enquanto esperava no carro, deixava as crianças do Tarcísio brincarem de dirigir o Opala. Com o motor desligado, é claro.

FOTOS: No alto, Ovídio Menten, por volta de 1945, em frente à sede velha da Granja Santa Teresinha, ainda em reforma como se vê pela ausência do jardim. Abaixo, os “alemãezinhos” José Pedro Menten e Maria Helena Menten (hoje Sra. Luiz Haroldo), caçulas da ninhada de sete filhos de Ovídio Menten. Foto de 1971, restaurada por José Pedro Junior.

Luiz Haroldo Gomes de Soutello é advogado e escritor

 

Prev Post

Trégua do vírus é acompanhada…

Next Post

Vegana com sabor

post-bars

Leave a Comment