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Jundiaqui

 1924 ou 1932?
15 de março de 2020

1924 ou 1932?

Por José Renato Nalini

Desde criança, fui levado a considerar a epopeia de 1932 uma das páginas mais marcantes da gente paulista. Pegar em armas para exigir uma Constituição, evidencia um estágio civilizatório singular. Dá verdadeiro orgulho cívico e isso é mágico para crianças daquela geração.

Sabia muito pouco a respeito da revolução de 1924. Ao ler o livro de Moacir Assunção, “São Paulo deve ser destruída”, percebi que em termos cruentos, essa rebelião superou 32.

Inacreditável que se tenha optado por destruir São Paulo, para se livrar dos revoltosos. Mas foi isso o que aconteceu, após a leitura desse primeiro livro, que me instigou a procurar outros. Li também “Agora nós!”, de Paulo Duarte, que foi protagonista da cena paulistana e faz um relato contundente e bem elucidativo da conduta de alguns próceres de então.

Ao apresentar a obra de Paulo Duarte, o historiador Bóris Fausto observa que “Agora nós!” foi publicado em 1927, num momento em que o autor tinha a certeza de que os “carcomidos” da Primeira República, como viriam a ser chamados, pareciam estar em vias de perder o controle do poder, cedendo lugar às correntes democráticas”.

Algo que poderia sugerir comparação com o que o Brasil vivencia. A esperança de deixar um período amargo de recessão, estagnação e atraso, resultante do mau uso da política, entranhada com interesses escusos de alguns muitos péssimos brasileiros.

Lembremo-nos que, àquela época, em oito anos, ocorreram três movimentos significativos: a Revolução de 1924, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, a coluna Miguel Costa-Luís Carlos Prestes, em 1930 e a Epopeia Paulista de 1932. Sem esquecer da Revolta do forte de Copacabana em 1922, coincidente com a nossa Semana de Arte Moderna. É preciso lembrar à juventude de hoje o que significou esse período, com destaque para a coragem dos “18 do Forte”.

Paulo Duarte escreveu um verdadeiro libelo acusatório e é curioso que a saga não gerou minisséries tão a gosto da hegemonia televisiva. Os vilões são Artur Bernardes, o então Presidente da República, Carlos de Campos, o Presidente do Estado de São Paulo – assim eram chamados os governadores – a oligarquia perrepista e seu órgão oficial, o “Correio Paulistano”. Heróis, José Carlos de Macedo Soares, presidente da Associação Comercial, a “gente” do “Estadão”, Júlio Mesquita, o prefeito de São Paulo, Firmiano Pinto, Henrique Souza Queiroz, comandante da Guarda Municipal, criada para minorar os malefícios do cruel ataque sobre São Paulo.

Mas também se deve lembrar a figura de D. Duarte Leopoldo e Silva, que correu risco de vida na tentativa de intermediar acordo para o cessar-fogo que matou mais do que em 1932. “O bombardeio inútil de uma cidade aberta, cuja população impossibilitada de fugir era estraçalhada pelo canhão impiedoso, foi o prólogo anunciador da vingança baixa e pequenina e do aproveitamento da anormalidade para satisfazerem-se ambições insaciáveis que se iriam fartar no dinheiro público”.

Nada que São Paulo possa estranhar. Só que o sangue de nossos dias não provém de canhões, senão da situação de miséria que leva famílias à míngua, o morticínio da juventude, as mortes no trânsito, a indignidade dos moradores de rua, a entrega de milhões ao flagelo da droga.

O êxodo de famílias paulistas em 1924 foi repentino: em alguns dias, cerca de 300 mil dos então 800 mil moradores da capital deixaram a cidade em pânico. Foram para Campinas, muitos pararam aqui em Jundiaí, outros se deslocaram para Sorocaba. Mas não foram fugas apenas pelas ferrovias. Muita gente saiu no lombo de animais ou a pé. Carregando o que se podia levar nos ombros ou nas mãos.

Custa crer que a intenção do governo federal fosse destruir São Paulo, para dizimar poucos revoltosos que se portaram com brio, ao contrário das forças legalistas. Quando o Prefeito Firmiano Pinto pediu que os bombardeios parassem, porque estavam morrendo os civis, a resposta do Ministro da Guerra, Setembrino de Carvalho foi : “Não podemos fazer a guerra tolhidos do dever de não nos servirmos da artilharia contra o inimigo, que se aproveitaria dessa circunstância para prolongar a sua resistência, causando-nos prejuízos incomparavelmente mais graves do que os danos do bombardeio. Os danos materiais de um bombardeio podem ser facilmente reparados, maiormente quando se trata de uma cidade servida pela fecunda atividade de um povo laborioso. Mas os prejuízos morais, esses, não são suscetíveis de reparação”.

O pior, foi a confirmação dessa esdrúxula tese, por parte dos que governavam São Paulo naquele fatídico 1924. Prestemos atenção nisso.

José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

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