O Gambito da Rainha!
Por Vera Vaia
Confesso que relutei um tempo em assistir a minissérie que conta a história de uma jovem órfã jogadora de xadrez. Talvez porque esse jogo nunca tenha despertado meu interesse. Não tinha curiosidade em saber se o bispo comia a rainha ou se o cavalo traçava o rei.
Mas agora, depois de ter assistido a seis capítulos, compreendi, primeiro, que gambito da rainha não tem nada a ver com as pernicas de parmito da Elisabeth, e, segundo, que não é necessário entender de xadrez para captar a mensagem da série.
Entendi que na vida é preciso estar atento e forte para qualquer jogo que venha pela frente. Que, apesar dos obstáculos (no caso da menina do filme, os obstáculos ficavam dentro de garrafas de cerveja e vodca e de vidros de remédios), o negócio é colocar os peões pra correr para que não sejam devorados por famintos comedores de peças distraídas.
Pelo que temos visto nesse governo parece que o presidente da República assistiu à série tão logo assumiu o cargo. Tem mexido suas peças no tabuleiro dos ministérios com certa frequência, não exatamente por ser um grande jogador, mas mais pela necessidade de se manter em pé, pelo menos até o próximo o campeonato, que vai acontecer em 2022.
Nesta semana que passou, o peão-chefe da Casa Civil, Luís Eduardo Ramos, foi derrubado pelo cavalo que saiu galopando do Centrão direto em direção ao rei. Essa nova peça inserida no jogo é o senador Ciro Nogueira, do PP do Piauí, e ex-aliado dos petistas. Um grande negócio para ele, aliás. Vai ganhar um cargo importante no governo e, de quebra, põe sua mãe sentada na cadeira que estava ocupando no senado. Sim, a própria mãe é sua suplente!
Na quinta-feira (22), Luís Eduardo Ramos recebeu a notícia com surpresa e disse que foi atropelado por um trem mas que passa bem. (Achou que ia passar batida aquela escorregada de tomar vacina contra Covid-19 escondido do chefe, hein, seu Ramos? Danou-se.)
Sobre a escolha de Ciro Nogueira, Bolsonaro só teceu elogios tanto ao senador quanto ao Centrão que o mandou embrulhado para presente. Para justificar a nomeação, chegou a declarar que ele próprio saiu de lá, que já pertenceu, entre outros partidos, ao PP. (Será que os bolsominions sabiam que o mito já votou várias vezes junto com o PT?)
Por pouco não imitou seu correligionário general e cantor nas horas de folga Augusto Heleno, que no ardor da campanha pró-Bolsonaro subiu ao palco para cantar “se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”.
Jair estava tão entusiasmado que quase cantou uma paródia da música “Disparada”: “Eu venho lá do Centrão, eu venho lá do Centrão e posso não lhe agradar”.
Mas vai agradar, sim, não se preocupe, especialmente ao verdadeiro dono do tabuleiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.
E, seguindo a linha de troca de favores (ele não gosta que chame de toma lá, dá cá), Jair Bolsonaro aproveitou o pacote de bondades que andou oferecendo aos seus jogadores mais esforçados e anunciou um novo ministério, o do Emprego, para agraciar seu mais fiel capacho, digo escudeiro, Onyx Lorenzoni.
Apesar da promessa do então candidato de cortar ministérios (como diz o velho ditado, o que ele fala não se escreve), um novo está sendo aberto em plena crise. Mas, convenhamos, de que outra forma presentear aquele que até hoje serviu de tapa-buracos nestes dois anos e meio de gestão? Como recompensar um funcionário tão diligente? Afinal, não é todo dia que se encontra alguém com cara-de-pau o suficiente para soltar em público coléricos perdigotos sobre os irmãos Miranda, desmentindo um contrato verdadeiro, jurando de pés juntos que era falso.
Vai lá aproveitar o trono, Onyx. Se o Ministério do Emprego não gerar empregos para a população, pelo menos terá gerado para seus contratados.
E assim, enquanto eles se divertem mudando as peças no tabuleiro, nós ficamos com o gambito da rainha. Para quem não sabe, assim como eu não sabia, a jogada de xadrez que leva esse nome quer dizer “passar uma rasteira no adversário”. Apropriado, não?